Festival Vaca Amarela – 12ª edição

Grandes nomes do Rock e Hip Hop se revezavam durante os três dias de evento. Cambriana, Boogarins, Nevilton e Projota foram só alguns deles.

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Nota: 4.0

Vinte e quatro horas de música rolaram no chão do saudoso Martim Cererê durante a 12ª edição do Festival Vaca Amarela. Foram 47 bandas se revezando pelos dois teatros do local (Ygua e Pygua), permeando do Rock e seus subgêneros, o Hip-Hop e o Samba-Rock, dando motivos mais que suficientes para que os goianienses (e alguns paulistas, mineiros e baianos que encontrei pelos dias) retornassem à casa que fez tanta história para a cultura musical da cidade e que se encontrava, até então, interditada.

Por conta disso, todos os dias foram dias de encontro entre os velhos amigos e os mais novos, que entravam na cena agora. Tudo de forma bem acirrada, todos os ingressos se encerraram muito antes das maiores atrações, o que prejudicou muito os desavisados. A produção do evento se mostrou bem mais eficaz que em 2012 no que diz a respeito a filas, seja para compra de ficha ou para o bar. O espaço era dividido também com as bancas de duas banquinhas (pizza e sanduíches) de estabelecimentos nitidamente queridos entre os goianos, ambas amparadas por tendas – outro ponto positivo que confortava aqueles que estavam com medo da chuva que vinha se fazendo presente na última semana. O evento ainda contava com um espaço para a imprensa e bandas patrocinado pela Rayban (em sua “turnê” acompanhando festivais muito bacanas por todo o Brasil), com música boa, espaço para maquiagem e bebidas à vontade. Quem não agrada?

Mas o mais importante, claro, era a música. O primeiro dia vinha com Bonde do Rolê e Nevilton, ambos do Paraná, como headliners, mas nunca com mais admiração que as bandas que esquentavam o público nos dois teatros. Principalmente com Cambriana, talvez um dos pontos mais altos de quinta. A banda de Luis Calil e amigos chamou a atenção de todo o Brasil depois do lançamento de House of Tolerance, em 2012. Cambriana surgiu do nada e nasceu pronta. Cresceu já exigente e conquistou fãs nessa união entre técnica e emoção, o racional e o irracional. Os olhos de todos (e eram muitos, teatro lotado!) olhavam de forma respeitosa a banda goiana se apresentar, que não é pequena. Wassily Brasil (teclado), Rafael Morihisa (guitarra), Heloísa Cassimiro (bateria) e Pedro Falcão (saxofone) fizeram as vezes por volta da meia-noite. Oitenta por cento do set foi do trabalho de estreia, o que ajudou muito a interação do público com as músicas tocadas. Foi o caso de Astray, segunda música apresentada, com muito “ôuôuô” dos fãs. Uma pena em 47 Daughters ter havido um problema de som em que uma das caixas (a que eu estava em frente, inclusive) parou de funcionar. Em momento algum os integrantes pararam de cantar, demonstrando jogo de cintura e segurando até o fim muito fôlego com uma só caixa e som abafado e, ainda mais incrível que isso, o público se manteve em silêncio percebendo o ocorrido para que não prejudicasse ainda mais a audição. Gritos comemoraram, no final da música, o retorno do som, dando espaço para Safe Rock. Em The Sad Facts, música que estourou a banda e consagrou o Cambriana, o áudio ficou realmente limpo e contribuiu para todos cantarem seus versos melódicos. Assim que Rafael distorceu seu instrumento trazendo muita sinestesia misturado às luzes azuis do palco, ficou claro. Cambriana, ali, fazia cover de Radiohead, talvez uma das bandas que mais cedem inspiração ao sexteto. Street Spirit foi ouvida em combustão mental, em um mar de sensações e com muita técnica, pareciam seis músicos de meia-idade esbanjando experiência. A introspecção foi deixada de lado já no início de Face to Face e muitos pareciam disputar projeção de voz com Luís. O show, infelizmente, já ia se encerrando com Choose U, música de seu último trabalho lançado, o EP Worker, de 2013. Cambriana provou maturidade sem ao menos ter tanta estrada. Foi aprovado por um público igualmente maduro que estava ali para ouvir e respeitar um das bandas que fogem do conceito antigo e batido que bandas independentes/regionais não fazem som pra “gente grande”. Fazem, e Goiânia anda sendo referência nisso.

No outro palco, Nevilton já ia se preparando para pisar novamente em um palco goianiense. E, com muita empolgação, fez uma apresentação muito enérgica. Nevilton se manteve quente em um teatro que não estava tão aquecido assim. Enquanto o músico pulava, ia para a grade, interagia com o público e tomava sua(s) cerveja(s) com muita vontade, as pessoas, esparsas pelo teatro da esquerda, apenas observavam e, nos maiores ápices, mexiam um pouco. Nada que afetasse o vocalista. Se demonstrou muito animado em voltar ao cerrado, dizendo que Goiânia foi seu primeiro palco depois de grande pesquisa musical para produção de material inédito com Lobão, em 2007. Sacode, seu disco mais recente e grande protagonista da noite, mostrava ainda mais peso ao vivo. Fez lembrar bastante daquele Rock sujo que tanto consquistou roqueiros novos no Martim há tantos anos. Sucessos como Bolo Espacial, Só pra Dizer, Satisfação e, encerrando, com Tempos de Maracujá e A Máscara, o trio vinha fazendo jus de uma das frases mais fortes ditas ali: “Por que o tempo insiste em não parar?”.

E só pegando caminho até o outro palco que percebemos porque Nevilton não estava mais acompanhado que o costume. O público, em peso, já estava ao aguardo do Bonde do Rolê e sua proposta de anarquia. E foi bem por aí. Foram 30 minutos em que tudo parecia liberado e quem mandava ali era o trio paranaense: Rodrigo Gorky, Pedro D’Eyrot e Laura Taylor. E agitaram. O público dançava e cantava aos maiores sucessos daqueles que trouxeram o Electrofunk para o Brasil e o exportaram para o mundo com a ajuda do Diplo e da Mad Decent. Apesar dos hits estarem ali, o show parecia uma grande busca desesperada por atenção. Eu sei, o Bonde sempre teve sua identidade na premissa “jovem”, aquele tempo em que somos invencíveis, temos questões sexuais afloradas e nada de papas na língua. Aquela espontaneidade jovem que conquistou tantos e os levaram para os maiores festivais do mundo hoje já parece forçada, e ali tinhamos que engolir um produtor talentosíssimo, um empresário de primeira e uma ótima vocalista a fingirem inconsequência que já não convence mais. Trocando em miúdos? A bagunça que inspirava e transpirava excesso de atitude em 2007 mais parece hoje falta de conteúdo.

Mas o tapa de realidade foi amenizado com o segundo dia de festival. Nem a chuva conseguiu atrapalhar a noite que seria fruto de mais flexibilidade dos produtores. A sexta seria dedicada ao Hip Hop sem, é claro, deixar o Rock de lado. Tendo como nomes principais os argentinos do Corazones Muertos e Projota, a noite manteve sua organização e casa cheia. Mais uma vez, as bandas locais não fizeram feio e se destacaram também. Boogarins foi uma delas. Com mais ou menos um ano de estrada, o projeto dos quatro músicos amplamente conhecidos da cena Rock de Goiânia, já chamou a atenção do site americano especializado em música Pitchfork, por exemplo. Os olhos, às 23h30, estavam todos virados àquela aposta lisérgica, inclusive nomes fortes de produtoras goianas, críticos e jornalistas. Passando som com teatro aberto, os garotos demonstravam tranquilidade. Boogarins nasce com alma velha e espírito jovem, traz consigo referências cinquentistas misturados ao “hype” psicodélico que conhecemos de Tame Impala. E por essa tamanha segurança, eles propõem um som que distoa, uma música muito identitária, intensa. Tudo atrelado a, inclusive, figurino, visual e comportamento dos jovens músicos. Erre, Lucifernandis, Doce e outras de As Plantas Que Curam – álbum de estreia (e que estreia!) – arrancaram palmas com olhares de admiração entre figuras importantes e um público que acabava de adicionar Boogarins na estante de bandas favoritas. Apesar do microfone de Fernando Almeida estar mais baixo que os instrumentos, o público ainda sim cantava alguns dos sucessos, e percebia que o instrumental era mais importante do que as histórias do disco. E provavam isso com solos, riffs e minutos dedicados à boa música que deixaram muitos maravilhados. Boogarins também nasceu pronta e traz um brilho jovem no olhar apesar de serem ricos nas referências. É apaixonante ouvir um rock cru sem intervenções de terceiros, apenas pela alma de quatro músicos talentosíssimos e sensíveis.

E para fechar nossos destaques, Projota. Com quase 1 hora de atraso, o “neguinho”, como se intitula no início, agradece a presença dos fãs e também daqueles que se propuseram a ouví-lo por alguns minutos. Mas não eram alguns. O cantor fez um dos maiores (e melhores) shows de todo o Vaca Amarela, trazendo consigo sucessos mais recentes (como Mulher, Fogo, Muita Luz e Foco na missão), assim como seus velhos hits, que trouxeram nostalgia de seus fãs e um conteúdo mais agressivo do cantor, como Pra Não Dizer Que Não Falei Do Ódio, Mais do que Pegadas, Acabou, Chuva de Novembro e a tão esperada Rezadeira, que fecha o show. Ele faz parte da “terceira leva” de rappers que se torna tradição no Vaca Amarela. Em 2011, Emicida cantou para um dos maiores públicos do festival. Em 2012, seu “sobrinho” Rashid trouxe a força da sua idade com suas batidas pesadas para o Oscar Niemeyer e agora se mostra muito grato por ter sido convidado. Toda a hora de show foi recheada de crítica social, apelos contra a discriminação, discursos a favor do Rap nacional, tudo isso em rimas. Projota se mostra muito à vontade com o teatro lotado, esperançoso por ter Mulher no rádio (mesmo sendo menos “pesado”, como adjetiva o rapper, mas “um começo) e prometendo elogiar a capital de Goiás quando voltar a São Paulo.

O terceiro dia foi marcado pelo Hardcore e as vertentes do Rock pesado goiano. Muito grito e acordes rasgados foram distribuidos aos presentes do último dia de festival que contava com o headliner Deadfish, do Espírito Santo. Nomes goianos já conhecidos de longa data como MQN e Hellbenders, além dos queridinhos do Stone Rock goianiense Black Drawing Chalks estimularam muitas rodinhas dos dois teatros do local.

O Martim Cererê há tempos não recebia tanto público e tantas boas atrações. O Vaca Amarela, como um dos mais tradicionais e respeitados festivais do estado, mais uma vez surpreendeu com um line up variado, uma produção experiente e uma direção que conhece seu público. Não é a toa que estão na décima segunda edição e cativam sempre mais adeptos. O feriado trouxe consigo não somente um festival, mas a confirmação de que estamos na sede que exporta as bandas mais interessantes do Brasil nos últimos anos. Foram três dias para guardar 2013 com mais carinho e aquela esperança que é só o começo para que Goiânia continue sua fama como a capital do Rock.

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Publicitário que não sabe o que consome mais: música, jornalismo ou Burger King