Devendra Banhart – Cine Joia, SP

Músico faz show maduro e íntimo, deixando de lado alguns hits, mas mostrando a conexão que tem com sua arte

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Fotos: Fernando Galassi / Monkeybuzz
Nota: 4.5

Há muito tempo esperava-se a vinda de Devendra Banhart ao Brasil. O contato direto que o cantor tem com a música brasileira, influência sempre citada em suas entrevistas a respeito de seu som, já o faziam quase tupiniquim. A Tropicália, Caetano, Gil e as famosas parcerias com Rodrigo Amarante, com canções inclusive em português, nos faziam imaginar o porquê desse ineditismo por aqui.

Evidentemente, seu primeiro concerto estaria cheio – algo que se transformou em lotado e ingressos esgotados com uma certa antecedência. Com tantas pessoas e expectativa, é normal que exista uma certa divergência a respeito do que se passou no Cine Joia mas a conclusão que podemos chegar é que ao vivo, Devendra é ainda mais impressionante.

Abrindo com um atraso necessário para as filas que se aglomeravam na porta, o cantor surpreendeu ao logo aparecer com Amarante, que está participando da turnê de Mala. O êxtase aflorou com tal constatação e quatro guitarras se formavam no corpo do grupo. Golden Girls e Für Hildegard von Bingen do último disco pareciam escolhas certas de introdução mas a continuação com Baby, um dos maiores sucessos do músico, nos levava a crer que o show seria um grande greatest hits.

Entretanto, a apresentação se mostrou muito mais intimista que dançante, algo que só denunciou como Devendra está conectado com sua arte e que o show lhe pertencia. Faixas como Brindo e Seahorse mostravam como a voz e interpretação coincidem em uma só figura, a do artista Banhart. Suas cordas vocais, às vezes baixas e de certa forma frágeis, deixavam o público absorto com a conexão entre o que o músico cantava e demonstrava.

Alguns momentos se mostravam especialmente emocionantes como Bad Girl, cadenciada e letárgica com o slide de guitarra sendo conduzido no fundo. Era difícil notar a própria presença de Amarante enquanto Devendra literalmente atuava no palco, Quedate Luna parecia ainda mais cortante ao vivo, e Little Yellow Spider calorosa. De certa forma, a condução do concerto se resumia à interpretação do músico com suas crias, que são notavelmente muito mais introspectivas que dançantes ao longo de sua extensa discografia. Por isso não se deve estranhar o comportamento do público que permanecia parado, arriscando alguns passos laterais mas sempre concentrados na música.

Mala, o disco, foi o mais homenageado evidentemente, e foram nas composições deste trabalho que as coisas começaram a ficar um pouco mais agitadas. Daniel e Mi Negrita eram perfeitamente reconhecidas pelos presentes e cantadas com perfeição. Devendra arriscava algumas palavras em português, “Boa noite, eu sei falar portunhol mas prefiro espanglês”. A verdade é que a mistura latina trouxe a grande conclusão para o músico quando em meio a sorrisos disse: “Existem coisas importantes na minha vida como o prazer, honra e sonho. É um sonho estar aqui”.

Quando a banda de apoio saiu do palco, a intimidade cresceu ainda mais e o público começava a se apertar para chegar mais perto Banhart. At the Hop e Niño Muerto eram conduzidas com guitarra, voz, trejeitos de mão e caretas entre cada frase. Algo além da própria música estava sendo passado ali.

Após Amarante e companhia retornarem, um pouco mais de malemolência foi jogada na atuação com as excelentes Shabop Shalom, Hatched Wound e a dançante I Feel Like A Child. Antes de acabar, a melhor canção de Mala foi tocada, Your Fine Petting Duck. Crescente, concedeu a primeira verdadeira interação entre Devendra e Amarante, um grande momento para ambos. Co uma introdução praieira, a faixa do álbum torna-se quase eletrônica em sua metade, com versos sendo cantados em alemão. Entretanto, sua construção ao vivo é toda orgânica e foi o auge antes do derradeiro adeus.

O bis não estava programado, mas a volta para tocar Carmensita foi um prêmio ao público que a esperava ansiosamente. Curiosamente, o retorno foi para só uma faixa o que nos leva a pensar que talvez tenha sido um desperdício Devendra não ter tocado, Rosa, composição feita com Amarante. Dividindo o palco com o músico carioca, talvez esta fosse a grande chance de homenagear a plateia.

Entretanto, o concerto se mostrou diferente, emotivo e intimista, algo que as músicas de Devendra sempre proporcionaram aos seus ouvintes e que ao vivo puderam constatar outras qualidades do músico. A forma como ele se expressa através de suas músicas, com sua encenação e excessiva simpatia arrancava sorrisos e risadas dos presentes, enquanto a esperada “dança” só aparecia pontualmente. Independente da expectativa gigantesca ao redor do show, a verdade é que não poderíamos sair menos do que satisfeitos com apresentação de um músico que respira a sua arte e demonstra tanta pessoalidade com as suas criações.

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MARCADORES: Resenha, Show

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.