Resenhas

Isaiah Rashad – Cilvia Demo

Disco de estreia do jovem rapper é o melhor lançamento de Hip Hop em 2014

Loading

Ano: 2014
Selo: TDE Red Room
# Faixas: 14
Estilos: Hip Hop
Duração: 49:29
Nota: 4.0
Produção: Ross Vega, Mr. Carmack, Joseph The Stranger, The Antydote, The Antydote, Black Metaphor, Farhot, D. Sanders

Isaiah Rashad abre o seu debut para o mundo com a seguinte frase: “My dad told me how to drink my pain away”. O que significa este grau de exposição em Hereditary, faixa inicial de seu excelente trabalho, Cilvia Demo? Sinceridade? Coragem? Talvez um misto de ambos, mas eu vejo muito mais como um grito guardado de uma pessoa que tem muito mais histórias que talvez seus versos possam um dia contar. A verdade é que sua estreia é confessional, aberta e muito bem produzida, colocando-se entre os grandes lançamentos de Hip Hop do ano.

Membro do grupo de artistas do selo TDE, encabeçado por ninguém menos que Kendrick Lamar, podemos dizer que Isaiah foi muito bem assessorado em Cilvia Demo. Seu timbre de voz, é semelhante ao de seu tutor na rouquidão mas muito mais próximo na forma com que seus versos abraçam todas as batidas, um formato proseado de canto, arrastado e que nos deixa um ar chapado no inconsciente. Inicialmente, temos esta sensação de que a produção concentra-se em levadas letárgicas para propiciar o escapismo tóxico. Casos de R.I.P Kevin Miller, em que o rapper diz em meio a uma levada de jazz sessentista: “ I live bitches and bluts/ we live for weed and money” ou na sensual Ronnie Darko com SZA. Os olhos se fecham, pensamentos entram de forma rápida e descontrolada até que o seu ponto de equilíbrio seja encontrado no meio de hipnotizantes batidas.

No entanto, o real sentido do disco, até a sensacional Heavenly Father, é a confissão de pecados, erros e toda a aura de culpa que passa por um homem de 21 anos que já viveu mais do que muitas pessoas com idades superiores. É o caso da faixa título, na qual ele afirma sua independência prematura: “My mama, as a toddler I was selfish, this ain’t nothin’ though” ou na “líquida” Webbie Flow (U Like), música com uma batida que passa de um ouvido a outro em um efeito panorâmico surpreendente, em que diz: ”I done grown up for my child sake, black and mild face”. Consistente, apesar dos diversos produtores presentes, Cilvia Demo passa por ótimos momentos contínuos, como West Savannah mais uma vez com SZA – sonhadora, quase um Dream Pop -, e o Hip Hop noventista de Soliquoy, com sua batida que bambeia as pernas do ouvinte quando entra toda quebrada.

Crônicas passam por Menthol, com Jean Deux e seu piano em loop presente em toda a faixa e os vocais femininos cansados em seu refrão. Sentimos a sinceridade e o coração de Rashad em seus versos quando escutamos a “bíblica” Tranquility ou Modest até que o grande momento de um disco repleto de boas músicas aparece. Na balada Heavenly Father, a Bitch Don’t Kill Vibe em alcance para outros públicos do álbum, Rashad confessa seus problemas como se estivesse diante de um padre. Reza para chegar aos 25 anos e diz que participa da realidade da juventude na casa dos 20 anos ao beber e fumar demais e que não gosta de receber conselhos. Retoma a independência abordada com sua mãe em Cilvia Demo e a une com a herança alcoólatra deixada pelo seu pai. Quando se torna a música mais acessível em toda obra, abre seu coração e nos deixa uma canção incrível.

Entretanto, daqui pra frente é só explosão raivosa. Sentimos muito mais ímpeto e menos lentidão em seus versos. São os casos da violenta Banana e da irônica Brad Jordan com Michael da Vinci. Com seu primeiro single lançado, Shot You Down, em uma versão remix com as participações de Jay Rock e ScHoolboy Q, temos o brilhantismo que o mostrou ao mundo e, sim, uma sinceridade em propulsão colérica que não poderia terminar melhor o seu disco de estreia.

Dentre todos os lançamentos de Hip Hop no ano até agora, Cilvia Demo é o que mais se destaca por não só mostrar um potencial já efetivo de Isaiah, mas também por nos revelar um rapper que caminha em outra direção dentro do meio. Logo de cara, se junta ao seu mestre Lamar e nos proporciona uma obra urbana, crônica e representativa de sua personalidade. Não se coloca em um patamar de ostentação ou estilo de vida ao qual a música pode levá-lo, mas sim dentro do verdadeiro sentimento de alguém que viveu e vive tudo o que diz. Se não bastasse todo o seu potencial lírico e melódico, nos coloca batidas interessantes e fluídas, deixando todo o pacote final muito mais completo. Espere ouvir este nome muitas vezes em 2014 e nos próximos anos.

Loading

ARTISTA: Isaiah Rashad
MARCADORES: Hip Hop, Ouça

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.