Resenhas

Alcest – Shelter

Mudança de sonoridade do grupo francês é direcionado à luz e ao Post-Rock em um trabalhado extremamente onírico

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Ano: 2014
Selo: Prophecy
# Faixas: 8
Estilos: Post-Rock
Duração: 46:00
Nota: 4.0
Produção: Birgir Jón Birgisson

Na abertura de um dos melhores discos de 2013, Settle do Disclosure, escutamos o seguinte diálogo: “How do you stay motivated in the midst of everything that’s going on? How do you build your personal momentum and how do you get in the zone?. O trecho feito pelo pastor norte-americano Eric Thomas nos faz questionar como podemos estar constantemente motivados em um mundo que nos leva muitas vezes ao comodismo. A chamada zona de conforto realmente existe, mas sem se tornar um porta-voz das obviedades, Thomas afirma ao final da faixa Intro que “tudo muda”. Logo se tudo muda, por que se manter estático? Esta é a questão central por trás da mudança de rumos feita pelo grupo francês Alcest.

Conhecido pelo seu trabalho pioneiro no chamado Post-Black Metal, o duo havia criado anteriomente obras referenciais e extremamente importantes na música mas se viu preso a uma fórmula criada por eles mesmo. O peso metálico atrelado a carga emocional parecia não bastar. O sucesso e consequentemente a pressão para tornar-se superior motivaram os parisienses a tomarem outro rumo. Se o auge foi alcançado, a solução é pular para outra etapa e tentar chegar ao mesmo topo por outro caminho. No entanto, a mudança de sonoridade não poderia ser mais distinta. Como o símbolo taoista do Yin-Yang, que expressa através do branco e do preto a dualidade que existe no universo, Alcest resolveu fugir totalmente da escuridão e encontra-se mais perto das nuvens em seu quarto disco, Shelter.

A faixa instrumental introdutória, Wings, não poderia ser mais adequada para iniciar esta nova fase e seu curto espaço de tempo consegue dar asas a imaginação do que vem logo em seguida. A explosão que Opale transmite, seria o impulso ao céu que irá condicionar o restante da obra. Dificilmente nos vemos com os pés no chão aqui pois somos constantemente levados a imaginar e viajar através de texturas sonoras que podem se aproximar do Shoegaze. No entanto, enquanto o estilo nos forçava a olhar para o chão, Alcest acaba o transformando em uma visão do horizonte, um ambiente onírico que o Sigur Rós sempre soube explorar muito bem. Aliás, em Shelter, a produção fica a cargo de Birgir Jón Birgisson, membro do grupo islandês, o que leva a compreensão deste panorama amplo que o som escutado aqui proporciona.

O francês cantado pelo duo mostra-se ideal para que o subconsciente seja abordado, ao mesmo tempo em que ficamos absorvidos por sua beleza musical. A calma e paciência são os tons de La Nuit Marce Avec Moi, momento que me deixa distante como se estivesse em uma viagem rumo ao desconhecido. O Metal nunca chega a surgir, mas o ritmos e rudimentos escutados na bateria nesta faixa trazem àa tona a memória de como o instrumento é tratado no gênero: com peso e precisão. Voix Serene é melancólica e melódica enquanto a faixa título se mostra extremamente psicodélica. Esta aliás, desacelera o disco letargicamente e recompensa os persistentes. É brilhante, e pode ser considerado uma das melhores músicas da obra.

L’Eveil des Muses é cinematográfica. Construída através de uma linha de cordas orquestral, a faixa nos leva a crer que estamos diante de uma película, mesmo que esta seja a nossa própria vida. Aliás, escutei este disco em um dia com uma chuva torrencial em São Paulo enquanto tentava chegar a minha casa e fugir de alagamentos, ventos úmidos e árvores balançando. O sincronismo que Shelter proporcionou só me leva a julgá-lo como uma verdadeira trilha sonora para qualquer tipo de situação. É adaptável ao ambiente. Curiosamente só tocamos o chão e nos afastamos das nuvens quando Away surge. Música cantada em inglês pelo convidado Neil Halstead do Slowdive, traz ares mais regionais e humanos a este álbum escapista que paradoxalmente se chama “abrigo”.

A fuga se consolida na longa e viajante Délivrance, um encerramento bonito e que consolida os novos rumos tomados pelos franceses. O caráter épico da obra se mantém ao longo de todas as músicas, trazendo coesão mas muitas vezes distração. Belo mas semelhante, poderiam ser os adjetivos para caracterizar Shelter. No entanto, sentimos na verdade que mesmo diante de uma escolha artística totalmente oposta, ainda percebemos o sentimento e o aspecto emocional que sempre acompanhou o trabalho do duo. Seu som nunca foi caracterizado pela agressividade do Metal mas sim pela forma com que podemos nos expressar através do peso. Ao demonstrar como os seres humanos são mutáveis e podem muito bem se transformar ao longo de suas vidas, o grupo acaba mostrando que tanto a escuridão como a luz são congruentes quando a essência é mantida, e que não existem rupturas mas somente redirecionamentos a serem feitos.

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ARTISTA: Alcest
MARCADORES: Ouça, Post-Rock

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.