Resenhas

Kiran Leonard – Bowler Hat Soup

Em uma das obras mais emocionantes de 2013, o multi-instrumentista estreia criando uma verdadeira viagem psicodélica em meio a uma voz frágil e extremamente sincera

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Ano: 2013
Selo: Hand of Glory
# Faixas: 16
Estilos: Rock Progressivo, Experimental, Folk Psicodélico
Duração: 50:45
Nota: 4.5
Produção: Kiran Leonard

Se existe uma máxima convincente, dentre as milhares existentes, na música, ela é: “não precisa saber cantar”. No entanto, algo é necessário para compensar esta lacuna, complicado para os ouvidos mas compreensível para os sentimentos, um fator determinante que faça o ouvinte se identificar com a música. Este fator é a emoção. Como justificar, por exemplo, Thom Yorke como um ótimo cantor sendo que ele possui uma voz falha, inconstante e frágil? Carregada de expressão, sinceridade, o britânico líder do Radiohead nos emociona e encaixa muito bem com o seu som. Outros casos podem entrar na justificativa de que uma voz poderosa, parte do que saí de dentro e não necessariamente do tom ou som algo “visto” no Alt-J e Sufjan Stevens, atos que curiosamente nos lembram muito bem a estréia de Kiran Leonard.

Um dos discos mais belos de 2013 em termos de expressionismo, sentimento e criatividade, Bowler Hat Soup é uma verdadeira viagem interna, passando da introspecção a exaustão emotiva em 16 faixas. Conectam-se de forma curiosa como a abertura Dear Lincoln, direta, rápida mas psicodélica que vai cadenciando o seu ritmo até que o último grito chega. A transição acalma o ouvinte e a voz volátil, quase chorosa no Folk circular de Brunswick Street, música que nos lembra os primeiros momentos do Beirut, já denuncia que iremos nos emocionar facilmente aqui. A beleza da balada Port-Ainè, traduz-se em uma curiosa esperança como se tudo que fosse necessário se esquecer, hoje, pudesse ser esquecido. Nestes pequenos trechos iniciais já somos apresentados há um leque instrumental variado. Acordeões, violinos se unem aos mais de 24 instrumentos tocados na obra por Kiran.

Retrato artístico do músico, é a verdadeira expressão musical de Kiran. Mesmo com variadas inspirações, todas se encaixam como um fluxo de pensamento contínuo – daqueles que quando se chega ao raciocínio final, conclui-se “ como estou aqui?”- mas que um leve exercício retrógrado consegue nos transportar facilmente ao instante inicial. Whiskey Bath é uma transição folclórica para Sea of Eyes, faixa que segue o mesmo toque rupestre e regional com seu ukelele. No entanto, quando Smilin’ Morn se inicia, começamos a perceber a teatralidade que parece recorrer no disco. Feita basicamente no piano, nos joga de um lado para outro tanto nas teclas como na voz de Kiran, um momento verdadeira sublime enquanto sons são acrescidos, e o músico transporta uma angústia interna, tangível e emocionante. Drysale é uma versão psicodélica do que Mumford & Sons costuma nos trazer de bom. Mais calma, menos elétrica e talvez mais etérea, combina muito bem com a posterior Wild Walks.

Aqui já estamos na metade do disco e Leonard parece querer trazer de volta o ouvinte de seu estado introspectivo, onírico. A progressão da música nos prepara para o primeiro “Rock de verdade” do álbum, There’s No Future In Us com seu espírito noventista em distorções, guitarras com riffs esparsos e uma voz próxima ao microfone para capturar ainda mais a sua intensidade. O título e o sentimento visto aqui são condizentes com uma faixa que combina ao mesmo tempo confusão e amargura em meio a constatação de que não existe mais futuro entre duas pessoas. A segunda metade do disco é mais experimental mas igualmente interessante, lembrando muito o último trabalho de Sufjan Stevens, Age of Adz. Como a retomada aos mesmos versos de Dear Lincoln em Oakland Highball ou a excentricidade vista em Bora Bora.

The Battle of Hoopla Bay é um exercício viajante em meio uma visita ao deserto, uma faixa seca, dura e instrumental até que a voz de Kiran surge e mostra o valor de uma músico que consegue segurar muito bem as pontas em meio a tanta experimentação. O exercício eletrônico de Geraldo’s Farm, cheia de sintetizadores, vozes com efeitos nos fazem perceber que o teatro proporcionado pelo artista tornou-se um cinema em meio a imagens rápidas e uma progressão asfixiante.

Que maravilha que é Knots, faixa que tem na guitarra o verdadeiro sentimento. Como nós que se entrelaçam, algo que o título indica, as cordas fluem de forma tão ordenada e sincronizada com o momento mais sincero de Kiran que nos vemos ao final verdadeiramente comovidos. Hoopla Reprise demonstra um virtuosismo impressionante no piano, em uma música que lembra o mar e suas quebras constantes de ondas em meio há uma frequência contínua de movimentos.

Quando chegamos ao final, A Purpose une todas as ideias e demonstra um propósito em meio a faixas que soltas podem não fazer muito sentido, apesar de suas qualidades únicas mas que se tomadas como referência a uma obra soam tão dispares. O acordeão hipnotizante, misturado a uma voz que não brilha pelo seu tom mas sim pela sua sinceridade, nos levam a por um minuto ou segundo, a nos emocionarmos com um disco que captura a essência de um artista mas sem antes nos jogar por um turbilhão de sentimentos. A fragilidade experimental de Bowler Hat Soup, me leva inevitavelmente a me emocionar como poucas vezes quis ou tive coragem em 2013 mas que acaba saindo de forma tão serena e verdadeira que não nos leva a outra constatação, se não, a de que temos aqui uma obra exemplar que apresenta Kiran Leonard para o mundo.

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Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.