Durante a década de 1990, o R&B se estabeleceu como um estilo que misturava o melhor de dois mundos: Eram as batidas (dançantes ou não) da música Eletrônica aliadas aos vocais bem trabalhados e melódicos, como no Soul ou no Gospel. Vinte anos depois, os tempos mudaram e nossos conceitos também, mas, se depender de Kelela, essa estrutura não vai mudar para o gênero, embora seus alicerces sejam hoje feitos de outras matérias-primas.
A mixtape Cut 4 Me vem para provar isso. Nela, a cantora pega, como manda a cartilha, as bases da Eletrônica para serem usadas em volta de seu vocal, porém tudo de acordo com as estéticas em voga hoje. Não são as mesmas batidas de ontem e mesmo a maneira de trabalhar os vocais nas faixas não é igual ao que estávamos acostumados a ouvir.
Sem medo de se deixar levar pelo legado que o Dubstep deixou em sua geração, Kelela encontra suas harmonias em meio a muitos elementos sintéticos e várias pequenas camadas sonoras que, mesmo sobrepostas, ainda parecem deixar muito espaço em branco em cada faixa. É aí que o disco oferece seu maior mérito: O destaque que a voz da cantora encontra.
Rodeada por tanta artificialidade sonora, a artista investe no que há de mais orgânico em sua música. O vocal é a estrela principal da obra e confere emoção às batidas agressivas e efeitos quase ruidosos que encontramos ao longo dos quase 50 minutos de duração. A base é eletrônica, mas a alma é muito humana.
Em meio às treze faixas, fica evidente por que Kelela escolheu Enemy para ser o single principal da mixtape, já que é ela a música que mais parece resumir esse espírito. Por mais intensas que elas sejam, não é cansativo chegar até o fim do disco e as surpresas são muitas quando percebemos como a moça trabalhou bem suas escolhas estéticas para criar algo relevante.
É assim que se faz “música contemporânea”.