Resenhas

Dirty Beaches – Drifters/Love is the Devil

Disco duplo do músico é um trabalho de difícil acesso, mas muito coeso em sua estrutura dupla. De um lado vemos a intensidade e a raiva, enquanto do outro somos jogados em um ambiente de calmaria e silêncio.

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Ano: 2013
Selo: Zoo Music
# Faixas: 16
Estilos: Eletrônico Experimental, Noise Pop
Duração: 75:34
Nota: 4.0
Produção: Alex Zhang Hungtai

Escolher um álbum duplo como sequência a um sucesso pode ser uma tarefa um tanto ousada para o músico taiwanês erradicado no Canadá, Dirty Beaches. Dividido em duas partes bem distintas em relação as suas atmosferas, Drifters/Love is the Devil é um exercício de difícil audição mas recompensador após algumas boas escutadas, mostrando não um trabalho corajoso, mas extremamente experimental do músico.

Não é muito simples definir o som escutado aqui. Texturas sonoras sintéticas se misturam a toques orgânicos, enquanto uma metade da obra caminha por águas mais escuras, noturnas semelhantes a um estímulo ocasionado por algum tipo de droga recreativa. A voz de Dirty Beaches, grave, se mistura a gravações pouco fieis, trazendo um toque muito mais teatral à sua voz que é pouco compreendida em palavras, somente em formatos de cantar que transparecem nervosismo, raiva e calma.

A faixa inicial de Drifters, Night Walk, é coesa e simples em sua execução, repetida através de uma bateria eletrônica e um baixo instintivo. O vocalista parece caminhar desnorteado por casas noturnas sob algum efeito psicoativo que o faz enxergar formas distorcidas, e barulhos do cotidiano de forma mais aguda. É assim que começa a experiência sonora desta primeira metade, que sempre traz a sensação de um ambiente nebuloso em que não se consegue enxergar um palmo a sua frente. O medo do inesperado é criado em faixas como Belgrade e Casino Lisboa, ambas extremamente difíceis a primeira vista causando uma sensação de vertigem e desorientação que poucas vezes foi vista.

Você realmente se sente mal escutando o disco, diante de tanta angústia, experimentação e suspense. Semelhante a filmes como Enter the Void e Irreversível de Gaspar Noé, aqui o bem-estar não é bem-vindo, e as texturas sonoras causam uma certa claustrofobia. Apesar de tudo, vemos bons momentos logo de cara como o Stoner Rock I Dream In Neon, que faria os membros do Queens of the Stone Age felizes ou as viagens sonoras da faixa final Landscapes in Mist. Esta, aliás. é uma excelente música, com elementos jazzisísticos em sua desconfiguração sonora e instrumentos sendo jogados de forma esparsa como um Saxofone em delay extremamente etéreo. A primeira parte acaba como uma bad trip, sem saber o que lhe passou além de uma tremenda noite de mau estar, mas que ainda assim lhe trouxe algum estímulo.

Love is the Devil, a segunda parte da obra, começa a onde a última faixa terminou, em uma tremenda viagem sonora. Mas Greyhound At Night, soa diferente, mais expansivo, sonhador e menos intenso. A raiva aos poucos parece ser deixada de lado, e vemos um segundo disco muito mais calmo que o seu anterior. Quase todo instrumental, este lado ainda mais experimental, brinca com os instrumentos e parece uma câmara de descompressão depois de tantos estímulos desfocados vistos anteriormente. A faixa Love is the Devil é de uma beleza incrível, sendo toda orquestrada em violinos e violoncelos reproduzidos eletronicamente. Alone at the Danube River é outra música excelente, conseguindo capturar muito bem a sensação de solidão em meio a vastidão de uma natureza tão bela. Algumas cordas tocadas de forma esparsa, nos dão a sensação de um filme oriental, em que a donzela espera calmamente o seu marido. A delicadeza de faixas como Like The Ocean We Part e Berlin, transforma este álbum duplo em uma experiência diferenciada.

Nada aqui é direto, palpável ou digestível logo de cara. Como um soco na cara em uma noite carregada de intensidade, o disco divide-se em dois momentos bem distintos: um estimulante, confuso e claustrofóbico, Drifters e outro extremamente paradoxal e oposto, ótimo para curtir uma ressaca e não pensar em nada, somente na beleza musical; Love is the Devil. Certamente, ambos são causa e consequência, só depende da escolha do ouvinte se ele quer ter uma calmaria ou tormento logo de cara. Mas a verdade é que dificilmente você vai se apaixonar pelo disco logo de cara, precisará de um bom tempo absorvendo cada textura e enfrentando a intensidade sonora de Drifters para depois se acalmar posteriormente. Ao se mostrar inventivo e corajoso, Dirty Beaches fornece um disco de difícil acesso mas que recompensa os persistentes.

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Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.