Resenhas

Chance the Rapper – Acid Rap

Acidez e ironia são jogadas em um dos discos mais interessantes de Hip Hop do ano. Conheça aqui um nome inovador de um estilo que pede por uma constante renovação.

Loading

Ano: 2013
Selo: Independente
# Faixas: 13
Estilos: Hip Hop
Duração: 53:30
Nota: 4.5
Produção: Chance the Rapper
SoundCloud: /tracks/90220186

A música só sobrevive e continua relevante para os seus apreciadores, se a criatividade se mantiver como força motriz da indústria. De tempos em tempos alguns artistas surgem de forma momentânea e esparsa, um fenômeno isolado, para mostrar que ainda existem pessoas preocupadas com sobrevivência de sua paixão. São como enzimas, pequenas partículas que aceleram as reações de toda uma cadeia, e ao meu ver Chance the Rapper consegue materializar toda esta abstração necessária com seu debut Acid Rap.

O Hip-Hop já chegou no mainstream, e tal fato acarreta a consagração e repetição de fórmulas mais aprazivéis aos ouvidos alheios. Aquela batida sensação do momento ou aquela vertente eletrônica sempre parecem surgir no alto escalão radiofónico, grandes agentes que propagam e respigam sobre produtores como um vírus da gripe após um espirro em um elevador cheio. É claro que existem alguns Kendrick Lamar, Tyler, Rocky, entre outros, jovens, rápidos e sedentos por espaço que caminham na direção contrária mas inevitavelmente estes artistas são também donos de alguns revisões que aos poucos também se tornam lugares comuns. O menino de 20 anos de Chicago, Chancelor, aparece de forma irônica neste meio, e retoma um estilo que faz falta ao Hip Hop.

Seu timbre de voz é agudo como a voz-em-ainda-formação de um jovem pede, seu ritmo é melódico e lírico de forma totalmente diferente de seus conterrâneos. Aqui a rapidez das rimas coincide com uma criatividade para cortar palavras e misturar temas, passando de desenhos infantis da década de 1990 até redes de fast-food que não existem mais, até relembrar fatos cotidianos de um ambiente urbano extremamente violento. Vemos aqui ecos de um Outkast que cisma em não voltar mais as nos alegrar, um rapper que se assemelha a uns dos líderes do duo, Andre 3000. Drogas são abordadas e fogem um pouco do estigma do ritmo, fugindo de temas craqueiros ou cocainísticos e chegam ao ácido da década de 1970. Aliás, acidez é o que é passado em sua interpretação, com onomatopeias irritantes/engraçadas, que te fazem dar risada enquanto escuta música, algo que eu não fazia em muito tempo.

Em sua introdução, a pomposa Good Ass Intro, uma construção gospel com vozes femininas de fundo enquanto um piano dita o ritmo que faria fieis mexerem os pés coincidem com Chance respirando versos. Sim, respirando, porque a quantidade de palavras por minuto que ele consegue dissipar não são tão facilmente vistas por aí. No meio a seguinte frase “rap makes me anxious and acid makes me crazy”, é sensacional. Ritmos são retomados, vemos aqui o Dub na excelente Favorite Song, em que a voz de Chance é um instrumento a parte e a cada música passada diversos sentimentos são passados. No primeiro momento pensamos “de onde vem esse timbre e esses gritos lunáticos?” para depois “o cara é bom e engraçado, que saudades de Outkast” e finalmente quando se chega a última faixa “parece que o conheço e escuto faz tempo, como este é somente o seu debut?”. Tudo faz sentido ao final. Parcerias com jovens fazem parte do pacote como Childish Gambino na faixa anterior ou Action Bronson trazendo um pouco de peso engraçada música NaNa. Esta, aliás, é uma homenagem ao próprio Chance. Não estranhe escutar esta expressão ao longo de todas as suas canções, tornando a sua grande marca desde já: uma ironia ácida, como se o rapper levasse a música com desinteresse, uma simples brincadeira.

O Acid Jazz é visto em faixas como na excelente Pusha Man, épica em seus sete minutos e três divisões internas. No primeiro momento uma bateria ritmada a um teclado delicioso contracenam com uma quantidade de versos por minutos ultrapassada a todos os instantes. Depois uma parte mais melódica feita com Nathan Fox colocam um refrão de difícil dissolução “I’ve been riding around with my blunt on my lips /With the sun in my eyes, and my gun on my hip”, que devido a seu poder musical te fazem esquecer até o conteúdo subversivo. Estes temas são retomados exaustivamente ao longo do disco como na metálica Smoke Again, adjetivo vindo de sua construção feita a partir de elementos de sopro. Ou na melódica Chain Smoker, feita com algum sample perdido em alguma festa na década de 1990, todas abordando a “erva do demônio” mas sem nunca se resumir a isto. Só retratar de forma irônica o seu uso como na nostalgica Cocoa Butter Kisses em que esquecimento oriundo do uso da droga faz aparecer buracos em todas as roupas. Algo que ele não esquece e quer de certa forma quer de volta. Analogamente o que deseja é o retorno de uma época em que ele não tinha muitas coisas para se preocupar, somente a sua própria diversão. Musicalmente, temos aqui Soul e R&B, swing e sexualidade exalando a cada tecla bem tocada no sintetizador ou cada batida encaixada na bateria.

O Hip Hop mais casca grossa é visto através do groove de Everybody’s Something, faixa que parece trazer um lado mais pesado e não vista até o momento com Chance, este chegando até a explodir de raiva em alguns trechos. No entanto, o seu refrão põe abaixo todos os julgamentos com um sincero “everybody’s someone everything, nobody is nothing”, sincera e direta ao ponto mas ainda assim surpreendentemente bela. Este lado menos brincalhão e mais sentimental é retomado no final do disco com Everything’s Good, retomando uma ligação feita entre o rapper e seus pais, espalhando palavras sinceras de um menino que pegou emprestado um computador e alguns instrumentos, construindo, a partir disto, um disco coeso e inovador.

Acid Rap é necessário para a música como um todo, traz a irônia e o ar de outros tempos, os mistura a jovialidade e capacidade lírica de um rapper que acabou de sair do colégio, e criam uma a obra única nos tempos atuais. É difícil não se surpreender com o seu talento que é restrito de certa forma aos headphones, boomboxes ou apresentações ao vivo pois nenhuma destas canções será tocada nas baladas por aí. No entanto, não se entristeça , o poder do Hip Hop de Chance vem do compartilhamento entre os fãs da música, como aquele disco de vinil emprestado ou fita cassete gravada a muito tempo. No boca a boca e na interação entre os ouvintes é que todos os elementos inovadores de seu som são valorizados e apreciados em sua totalidade.

Chance the Rapper – Pusha Man

Loading

MARCADORES: Hip Hop, Ouça

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.