Resenhas

Devendra Banhart – Mala

Músico encontra maneiras leves e orgânicas de tratar a dor de um amor perdido, sem medo de parecer brega ou um tanto sombrio, e sem perder seu bom humor

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Ano: 2013
Selo: Nonesuch
# Faixas: 14
Estilos: Indie Folk, Freak Folk, Lo-Fi
Duração: 41'
Nota: 4.0

Há uma amargura interessante em Mala, o oitavo disco de Devendra Banhart. Não é alguma tristeza melancólica, mas uma condição mais crônica. Não é dor etílica, é alcoolismo. Ele canta arrastado por melodias um tanto sombrias, desesperançosas, como quem aprende a conviver com o incômodo sem estar feliz, mas também sem necessariamente fazer algo a respeito.

Dá pra sentir que é o mesmo Devendra de sempre, mas mesmo quando mostra aquele bom humor sincero de outrora, o contexto retira muitas das cores de seus versos. É assim com Never Seen Such Good Things, música previamente lançada e uma das melhores de todo o disco. É difícil não sorrir ao ouvir “If we ever make sweet love again, I’m sure that it will be quite disgusting, race to the end”, mas entende-se o contexto com cheiro de uísque sofrido de onde isso veio, ou toda sua autocomiseração na musicalmente bipolar Your Fine Petting Duck (também excelente).

O mesmo ocorre com Mi Negrita, também compartilhada antes do lançamento de Mala. Com uma brega latinidade, a bonita balada é o misto de dor e humor que torna o trabalho do músico tão atraente. Suas composições podem ter ao mesmo tempo um teor autobiográfico ou parecerem narrativas de personagens inventados ou observados. Ao invés de desabafar, ele parece contar histórias.

A narrativa foi bem preparada na estrutura do álbum, contando com dez canções “inteiras” e quatro faixas um pouco mais curtas que acabam servindo como vinhetas, dividindo bem o disco entre lados A e B e preenchendo totalmente o espaço da história sendo contada aqui. E o relato não é dos mais felizes mesmo. A exceção fica com a sorridente Won’t You Come Over, que seria a segunda do lado B, logo após a introdução com a curtinha (e muito sombria) A Gain, e fica parecendo uma lembrança calorosa de um romance que poderia ter dado certo, mas não deu (mesmo tema de Never Seen Such Good Things). Nesse contexto, chega a dar dó de um personagem tão feliz, porque sabemos que a história não acaba bem.

É esse vai-e-vem no assunto da dor que faz este ser um trabalho com gosto tão amargo. A faixa-título é um desses interlúdios, com uma guitarra chorosa e a singela letra: “Ya ha pasado el tiempo, hay que aceptalo” – conformismo não de quem consegue ser feliz, mas de quem deixa a vida seguir seu curso. E se ele abre o repertório com versos do tom de “You’re a young man in a young men’s world, get on the dance floor” (Golden Girls), talvez isso mostre que o descontentamento das faixas a seguir está pronto para começar a desaparecer.

Talvez ele esteja aprendendo que o rancor da velhice pode fazer parte da juventude, ou se deu conta exatamente do contrário e agora expurga a sensação “má” que batiza a obra em uma catarse mansa, mas verdadeira. Se tratando de Devendra Banhart, é difícil saber o que esperar em significados. Ao menos, a expectativa de músicas boas de verdade foi cumprida.

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Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.