Resenhas

Christopher Owens – Lysandre

Um romance passageiro ocorrido há alguns anos serviu como desculpa para o músico firmar e se afirmar em sua carreira solo após saída da banda Girls

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Ano: 2013
Selo: Turnstile
# Faixas: 11
Estilos: Indie Pop, Indie Rock, Rock Alternativo
Duração: 28:15
Nota: 4.5
Produção: Doug Boehm

É uma música que toca onde você menos espera ou o perfume de quem está na sua frente em uma fila: a cena trazida à tona pela memória é sentida pelo corpo inteiro, do sorriso saudoso às subsequentes lágrimas, ainda que internas. Realmente, “não há nada como uma lembrança para escancarar um coração partido”. É esse o conceito de A Broken Heart, a quarta faixa na curta e intensa trajetória emocional pela qual Christopher Owens nos guia em seu Lysandre, uma ideia que parece explicar grande parte do disco, ou pelo menos nos dá pistas da razão pela qual o músico escolheria esse tema para o seu primeiro trabalho solo após a também curta e intensa carreira com a banda Girls.

Suas composições sempre tiveram certo tom confessional e não seria agora, realizando um trabalho que carrega seu próprio nome e não o de um grupo, que ele agiria de outra forma. Para Owens, abrir seu coração e fazer música parece ser essencialmente a mesma coisa. Isso fica claro em Love Is in the Ear of the Listener, em que ele se questiona como artista e conclui que continuará criando como bem entende. A faixa faz a brincadeira com “a beleza está nos olhos de quem vê” e “o amor está nos ouvidos de quem ouve”, um emparelhamento que coloca a arte (beleza) lado a lado com o amor, denunciando o quanto os dois elementos estão próximos para o músico.

Mas isso também aponta a outra direção: O amor é tão subjetivo quanto a beleza. Cada pessoa tem sua própria concepção dele e o que é bom para um é inaceitável ou temido para outro – e isso pode acontecer com as partes dentro de um relacionamento ou com quem o observa de fora. O romance narrado em Lysandre pode não ser julgado digno de um álbum por quem não entende o valor e intensidade capaz de ter um romance que dura apenas algumas horas, como o que Owens viveu com a francesa do título durante uma turnê da Girls, assim como sua capacidade de ser relembrado por mais muitos anos depois, mas a sensibilidade do músico ao trabalhar cada uma de suas faixas é argumento bom o suficiente para concluirmos o quanto o episódio vivido em 2008 lhe é importante.

E por que tratar disso em seu primeiro álbum sozinho? A impressão é que, durante algum momento de avaliação (consciente ou não) sobre sua própria condição como músico, ele pensava no período em que começou a ser reconhecido como tal e esbarrou na lembrança da moça. Não seria muito correto associar o disco com “saudade”, já que esse é um conceito provavelmente desconhecido para o artista, mas há mais carinho do que nostalgia na maneira de recordar o ocorrido, como a última faixa, Part of Me (Lysandre’s Epilogue), deixa claro na letra e ajuda a estabelecer a distância na relação entre o passado e o agora.

O tempo é um fator importante em Lysandre. Curtinho, com menos de meia hora de duração, ele foi todo escrito em um só dia, mesmo que tenha sido resultado de uma digestão que levou anos, aparente ao pegar um voo para Nova York, assim como no dia em que teve que se despedir da amante. A jornada à cidade vem com o convite que o músico faz ao ouvinte para o acompanha-lo em um trajeto sentimental (“And if your heart is broken/ You’ll find fellowship with me/ And if your ears are open/ You’ll hear honesty from me, tonight”, em Here We Go), em um tom de carta ou entrada em diário que perdura até o final da obra.

Criar todo um álbum dentro de um só conceito revela Owens também como um ótimo contador de histórias. A abertura com Lysandre’s Theme, um leitmotiv presente em grande parte das faixas do disco, é a apresentação da personagem, enquanto Here We Go é a introdução da história, New York City traz a ambientação e A Broken Heart, o desenvolvimento do conflito. A dançante Here We Go Again, que lembra muito do que o músico fez nos maiores sucessos da Girls, é a virada na trama que dá lugar ao alívio-cômico de Riviera Rock (que entra como um sonho que ele tem durante a viagem de avião), para depois Love Is in the Ear of the Listener nos levar até a doce faixa-título, um longo flashback do período que os dois passaram juntos, para a conclusão/clímax na triste Everywhere You Knew, um relato cru e honesto da despedida que deságua no Closing Theme, a apoteótica repetição do tema que nos acompanha desde o início.

Bela, doce, melancólica, tipicamente do Velho Mundo e sempre presente na memória – assim é a melodia do leitmotiv, que logo aprendemos e acompanhamos mentalmente durante todas as audições, e assim parece ser a Lysandre que o artista conheceu. Revisitar sua história no primeiro disco da carreira solo é resgatar os valores de um romance honesto, despreocupado de rótulos e lembrado com carinho e colocá-los integralmente no disco. E isso foi feito com muita inventividade, sensibilidade e beleza (principalmente nos arranjos de instrumentos de sopro, gravados pelo próprio músico), qualidades que fazem do álbum uma grande obra e estabelecem Christopher Owens como um dos grandes músicos de seu tempo.

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Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.