Resenhas

Sufjan Stevens – Silver & Gold

Os cinco discos do box natalino, preparado pelo músico nos últimos anos, nos revelam como a data pode ter um significado tão múltiplo quanto os diferentes estilos das faixas

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Ano: 2012
Selo: Asthmatic Kitty
# Faixas: 58
Estilos: Indie Folk, Indie Eletrônico, Erudita
Duração: 2h40m
Nota: 4.5
Produção: Sufjan Stevens

O que significa o Natal para você? Não peço respostas com explicações culturais, religiosas, históricas ou baseadas na ciência que você mais gostar, mas a sua própria, baseada em suas experiências. Se você dedicar um só minuto para revirar a mente em busca da resposta, é provável que as mais diversas imagens venham à tona, das mais variadas fases da vida, e talvez o feriado tivesse significados diferentes em cada uma dessas épocas. E não adianta se você liga para ele ou não: Natal é sempre especial.

Me parece que, ao invés de nos contar o que acha dessa data, Sufjan Stevens prefere revelar o quanto esse feriado é mesmo múltiplo em seus significados na vida de uma mesma pessoa – e, no fim das contas, nosso sentido pessoal de Natal acaba sendo o que a coleção de lembranças que temos nos conta.

Silver & Gold é seu segundo box com esse tema e, assim como Songs for Chrismas (2006), é composto de cinco discos gravados cada um em um dos últimos anos. Como sua ideia de gravar um disco para cada um dos 50 estados norte-americanos parece não ir para a frente (já que só Michigan, de 2003, e Illinois, de 2005, vingaram), esse parece ser o projeto vitalício que o artista tem se dedicado – e tem dado muito certo.

Os pequenos álbuns misturam tradicionais melodias natalinas e novas composições de Sufjan que não necessariamente entram no mesmo espírito das já conhecidas, entre hinos de igreja e cantigas sazonais – e não consigo pensar em um nome que saiba domar tão bem a transição entre o erudito e o popularesco quanto Stevens.

Gloria

Sua versão de Silent Night (que aqui cantamos como Noite Feliz) quebra todo e qualquer preconceito de tê-la não somente incluída, mas como a abertura, do primeiro disco, Gloria. O dedilhado dos vários timbres de cordas que aparecem ao longo da faixa dão base para o coral tradicional que o acompanha nos vocais, conferindo um ar atemporal e triunfante à música presente no repertório de qualquer um.

Gloria segue uma linha semelhante a Michigan e Seven Swans (2004), embora soe como uma ode à cultura kitsch estadunidense como seu Illinois. Após a introdução folclórica de Carol of St. Benjamin The Bearded One, uma melodia incrivelmente bela é revelada no piano, cordas e coro. Barcarola (You Must Be a Christmas Tree) segue a mesma pegada e completa a anterior tematicamente, já que ambas tocam no assunto da relação entre avareza e contentamento, o que tem tudo a ver com o tema da caridade tão presente no Natal. Ambas formam também os pontos mais altos desse primeiro disco.

I Am Santa’s Helper

I Am Santa’s Helper dá pistas de continuar no mesmo clima do anterior, mas já na quarta de suas 23 faixas, Happy Family Christmas, a cacofonia e a distorção da guitarra, tudo em uma aura bem Lo-fi, começam a dar indícios do que veremos por ali. É aí que começa Jingle Bells só na guitarra meio Grunge, meio Alternativa que logo se mistura a risadas de crianças e ao coro. É mais um lado do Natal que aparece, um bem mais prosaico e caseiro, que consegue ser equivalente em decibéis ao da grandiosidade erudita presente em tantas outras faixas.

É nesse disco que se encontram algumas das músicas usadas para divulgar Silver & Gold, como Mr. Frosty Man e Ding-A-Ling-A-Ring-A-Ling, que seguem a mesma pegada dessa versão de Jingle Bells (assim como a própria I Am Santa’s Helper e We Wish You a Merry Christmas), mas a maior parte das composições aqui ainda é de instrumentais eruditas feitas por Sufjan ou as tradicionais, de nomes como Bach, pelas quais ele revela grande reverência nos arranjos.

Christmas Infinity Voyage

O terceiro volume da coleção, Christmas Infinity Voyage parece ter sido feito na época em que o músico trabalhava em All Delighted People e The Age of Adz, ambos de 2010, já que apresenta diversas das sonoridades desses dois lançamentos. Suas duas primeiras faixas, Angels We Have Heard on High e Do You Hear What I Hear?, parecem ter saído respectivamente de cada um deles, então deve agradar bastante quem gosta dessa fase de Sufjan.

Ele traz ainda Christmas in the Room, uma linda balada sobre viver o Natal a dois durante o ano todo (“I’ll come to you, I’ll sing to you, like it’s christmas in the room; I’ll dance with you, I’ll laugh with you until it’s christmas in the room”), uma cover de Prince (Alphabet St.), uma bela versão de Joy to the World com sampler de duas de suas composições (Impossible Soul e Do You Hear What I Hear?) e a megalomaníaca The Child With the Star on His Head, que parece ser uma tentativa de fazer um clássico natalino imediato para os nossos dias, com suas muitas cacofonias ao longo de seus quinze minutos de duração, que começam com piano e uma melodia tipicamente natalina com o coro ao fundo e letra com referências bíblicas. Uma bela experiência.

Let it Snow

O quarto volume do box, Let It Snow! tem pouco mais de 21 minutos de duração e, por mais que possua músicas marcantes, como I’ll Be Home for Christmas (em linda versão), Santa Claus Is Coming to Town, Ave Maria e Let It Snow! Let It Snow! Let It Snow!, acaba funcionando como um respiro em meio a tantas pirações do artista nos outros discos. As músicas são bem bonitas, mas acabam um pouco apagadas no conjunto geral.

Chritmas Unicorn

Christmas Unicorn (a começar pelo título) não consegue ser facilmente esquecido. Como no desenrolar do último ato de uma narrativa, o capítulo derradeiro do box parece colocar os pingos que faltam nos “is” e amarrar as pontas soltas da obra. Uma de suas maneiras de fazer isso é tocar a melodia It Came Upon a Midnight Clear pela terceira vez na coleção (ela está presente também nos discos 1 e 3 e funciona como um leitmotiv, um refrão que dá liga ao lançamento como um todo), além de repetir um pedaço de Angels We Have Heard on High e “resumir” as misturas sonoras e estéticas dos quatro volumes anteriores ao longo de suas nove faixas.

Ele começa com Have Yourself a Merry Little Chritmas em um arranjo rico em instrumentos, vozes e timbres eletrônicos – talvez a versão definitiva dessa música para os nossos dias. Um Indie Pop influenciado por R&B toma conta de Up on the Housetop, enquanto We Need a Little Christmas traz novamente o clima de serenata improvisada com um grande coro que tanto ouvimos em I Am Santa’s Helper, Happy Karma Chritmas tem todo um aspecto Eletrônico e We Three Kings* tem o tradicionalismo folclórico do primeiro disco.

A apoteose vem com o estonteante dueto de piano e violão de Justice Deliver Its Death, composta pelo tradicional músico J. Marks e de onde vem o nome Silver & Gold da coletânea. E eis que surge em cena a tal Christmas Unicorn que, com mais de doze minutos, mistura praticamente todos os sons ouvidos até agora como em uma grande festa de encerramento de uma comédia teatral em que todos os atores se reúnem para a última música, com direito a sampler do hit Love Will Tear Us Apart, da banda Joy Division.

Não, ele não se refere necessariamente a um animal mitológico quando canta “I’m the Christmas Unicorn; It’s alright, I love you”. Penso que esse “Unicórnio de Natal” é justamente um símbolo do quanto a significação do Natal pode ser subjetiva e cada um atribui à data o sentido que quiser. É uma data que pode ser especial independente do que você crê e Sufjan Stevens soube trabalhar a variedade de lembranças, opiniões e tradições que envolvem o feriado em um box plural que tem em comum não só seu tema, mas um trabalho impressionantemente belo.

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Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.