Resenhas

Godspeed You! Black Emperor – Allelujah! Don’t Bend! Ascend!

Coletivo misterioso de Post-Rock traz mais uma obra-prima, transmitindo sentimentos com somente a força de seus instrumentos

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Ano: 2012
Selo: Constellation
# Faixas: 4
Estilos: Post-rock
Duração: 54:42
Nota: 4.5
Produção: Thierry Amar, David Bryant

Godspeed You! Black Emperor é uma banda canadense que não faz somente músicas, mas cria experiências multidisciplinares. É assim em seus shows com mais de dez integrantes que alternam naturalmente entre instrumentos, fitas cassetes com discursos ou frases marcantes e um telão projetado em 16mm misturando tudo o que é escutado em formato cinematográfico. É uma banda também enigmática e que faz um som instrumental com raízes no Post-Rock, elementos que unidos se transformam em um estilo musical épico e hipnotizante feito pelo grupo.

Allejuah! Don’t Bend! Ascend! é o primeiro disco do coletivo em mais de dez anos, período definido basicamente por um hiato para shows e produção musical, e segue sua excentricidade com suas quatro músicas, mas que juntas proporcionam um álbum de 54 minutos. A banda é conhecida pelo seu engajamento político e, apesar de nunca criar uma letra que aborde tal tema, Godspeed You! sempre se posicionou como um instrumento contra aquilo que julga incorreto. Durante esse hiato, muita coisa aconteceu no mundo, principalmente no Oriente Médio, afetado por duas grandes guerras, Afeganistão e Iraque, conflitos sobretudo econômicos. A capa da obra, uma casa típica dessas regiões, dá a entender o tema que será abordado.

O disco se envolve e abraça este clima árido e bélico, com construções musicais que poderiam servir de trilha sonora para somente imagens dos conflitos. Mladic, ópera-rock de quase 20 minutos de duração, inicia o disco com um gravação pouco compreensível, mas que envolve a localização e tentativa de eliminar um elemento, provavelmente retirado de uma trasmissão militar. O que se ouve logo em seguida é uma orquestração tensa, que mistura instrumentos de corda árabes com alguns toques agudos na guitarra, os quais ecoam como tiros disparados.

A música vai crescendo, com texturas sendo adicionadas, e a sensação que se passa é o amanhecer no meio do conflito, com o céu preto sendo pintado aos poucos com toques amarelados. A tensão vai crescendo com distorções e um baixo pulsante tomando conta da música, como se um confrontamento fosse iminente, para que daí tudo se torne uma grande explosão sonora. A bateria ritmada na caixa traz intensidade e peso que não poderiam ser descritos em uma simples letra. À medida que a música caminha para o fim, a atmosfera se torna melancólica, semelhante a sensação de alguém que acabou de matar dezenas de pessoas mas sem saber o porquê de tudo isso. A vitória na guerra é somente a sobrevivência no final das contas.

We Drift Like Worried Fire é mais um excerto de 20 minutos que cresce e se alastra como o fogo em regiões secas. Poucas notas são tocadas no início da canção, as quais começam a ser reproduzidas aos poucos no violão, guitarra e baixo até que se encaixem na bateria. O ritmo é circular, com as notas sendo repetidas, trazendo uma sensação vertiginosa como uma fogueira sendo acesa aos poucos, até que o fogo alcance uma altura estrondosa. A visão de explosões no céu, misturadas a poços de petróleo recém-explorados remete a filmes como Três Reis” e Soldado Anônimo*, ambos envolvendo a primeira e segunda guerra do Iraque, respectivamente.

O Piano e um xilofone no meio da música dão toques mais esperançosos para a música, antes de uma mistura de solos estridentes na guitarra soltarem os seus gritos de dor, tristeza e, ao fim, alegria. Quando a canção parece caminhar para um final calmo, a atmosfera se transforma em suspense. Como se uma retomada dos derrotados tomasse conta da música, vemos uma orquestração militar, trazendo novamente a tensão de um novo conflito. É como se a música fosse dividida em duas partes, cada uma mostrando um lado da guerra, que se enfrentam ao fim para ver quem sobrevive. O final da música mais uma vez se torna épico e, com certeza, ao ser tocado com as projeções de 16mm do grupo trará a sensação dos antigos cinemas em que a trilha sonora era feita ao vivo por uma orquestra.

Their Helicopters’ Sing e Strung Like Lights At Thee Printemps Erable não são tão longas e épicas quanto as duas anteriores, mas entram sempre após as duas óperas-rock e funcionam como experiências sonoras cacofônicas em que não se sabe o que está acontecendo. Ambas procuram acalmar o ouvinte com sons mais baixos, mas nem por isso menos tensos, como pode ser visto em Strung, com sua microfonia de dar um nó na garganta. Ambas sobem e descem mais rapidamente que as suas contrapartidas, mas não fogem do clima árido e incerto que permeia o disco.

É dificil conceber o som do Godspeed You! sem ao menos considera-lo como “viagens musicais”. Sem dizer uma palavra, que não tenha sido previamente gravada, o grupo consegue capturar os sentimentos mais mundanos e conflituosos através de seus instrumentos. É um som que combina com a retomada dos vinis no mercado mundial, privilegiando aqueles que procuram colocar um disco para escutá-lo do começo ao fim, como uma verdade experiência sonora. O interessante é que as imagens áridas e bélicas podem ser transformadas de acordo com a imaginação do ouvinte, como uma verdadeira obra de arte deveria ser, interpretativa e plural. Não é um trabalho acessível a todos, com certeza, mas que remunera bem aqueles que procuram se envolver, transformando tanta distorção e peso em uma belíssima recompensa aos seus ouvidos.

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Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.