Resenhas

Mavis Staples – If All I Was Was Black

Veterana cantora retorna em nova colaboração com Jeff Tweedy

Loading

Ano: 2017
Selo: Anti
# Faixas: 10
Estilos: R&B, Gospel
Duração: 34:36
Nota: 4.0
Produção: Jeff Tweedy

Mavis Staples tem 78 anos de idade. Esteve desde a adolescência na banda da família, The Staples Singers, e partiu para uma bem sucedida carreira solo ao longo dos anos 1970. Sua voz passou de rascante à profunda, com naturalidade e gentileza, algo que convém ao contexto em que se encontra esta nova colaboração com Jeff Tweedy, If All I Was Was Black. Aqui ele produz o álbum, participa das sessões e compõe todas as dez faixas. Mavis viu muita coisa acontecer nesta vida, desde as lutas pelos direitos civis dos afro-americanos nos anos 1960 até o Black Lives Matter dos nossos tempos e este trabalho mostra como é possível falar de tempos confusos com uma forma alternativa de combatividade, calcada num acento Gospel não-alienado, mas marcado por várias voltas na estrada da vida.

A presença de Mavis é tão dominante que é possível que as composições de Tweddy, não exatamente sobre preconceito racial, se acomodem num terreno de relevância inegável, se amoldando ao púlpito no qual Staples se posiciona e fala, não prega. Seria fácil traçar um paralelo entre um álbum como esse e alguma pregação religiosa, mas a cantora não pretende convencer ou arrebanhar alguém para alguma crença, mas apenas oferecer uma palavra de esperança e dividir sua história com quem se interessar. O momento em que tal visão se torna mais politizada é, justamente, na faixa-título, na qual a questão racial é abordada de forma mais aberta, porém, o disco é sobre as pessoas se unirem latu sensu.

Se pensarmos que este pedido já vai contra um dos pilares do neoliberalismo – a individualidade competitiva como meio de anular concorrências – já é grande coisa. Na verdade, o inimigo que une Tweedy, Staples e mais uma infinidade de artistas e pessoas nos Estados Unidos é a presidência de Donald Trump. Deve ser terrível para pessoas esclarecidas ver uma eleição ser decidida entre Hillary Clinton e Trump, com a vitória do segundo. Daí a necessidade de união, de superação deste, digamos, fundo do poço no qual se meteu a nação mais poderosa do planeta.

Em termos musicais, este disco traz uma produção respeitosa de Jeff Tweedy, na qual a banda de acompanhamento, que traz o próprio Jeff em vários instrumentos, além do “Wilco” Glen Kotché nas percussões, mantém-se discreta o bastante para que a voz de Mavis sobressaia totalmente. Os instrumentais vão com a simplicidade de baixo-bateria-guitarra, geralmente com o reforço de órgão/piano e um vocal de apoio que confere profundidade as canções. Tweedy ainda cedeu seu estúdio para a gravação e seu filho, Spencer, assinou a arte da capa. Destaques absolutos: a beleza da faixa-título, o “segura na minha mão” de No Time For Crying, o dueto iluminado e belo com Tweedy em Ain’t No Doubt About It, a linda melodia de Build A Bridge e o gospel sincero de We Go High.

Em tempos de excessos, crueldades, terraplanismo, involução e absoluta ausência de noção, discos como esse vão para a prateleira de “healing music” e se aconchegam gentis no nosso colo. Para ouvir sem indicações e acreditar no próximo.

(If All I Was Was Black em uma música: If All I Was Was Black)

Loading

ARTISTA: Mavis Staples
MARCADORES: Gospel, R&B

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.