Resenhas

The National – Sleep Well Beast

Novo álbum mantem banda à prova de envelhecimento

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Ano: 2017
Selo: 4AD
# Faixas: 12
Estilos: Rock Alternativo, Rock
Duração: 57:39
Nota: 4.0
Produção: Aaron Dessner, Bryce Dessner, Matt Berninger

Considero Arcade Fire e The National bandas irmãs. São muitas coincidências compartilhadas, como continente de origem, estilo musical dos anos 1980 que serve como ponto de partida, ideias de modernização/apropriação de sonoridades, integrantes carismáticos/introvertidos e uma tendência a assumir protagonismo no terreno criativo daquele estilo musical que costumava ser conhecido como Rock. Sim, porque, convenhamos, não é mais. O que existe hoje – e isso é bom – é uma centrífuga de estilos modernizantes e visões modernizantes e posturas modernizantes, que funcionam como um creme antirrugas, que prevê o envelhecimento precoce de conceitos e ideias. The National é uma das formações em atividade hoje que melhor manipula isso, tornando possível sua permanência e relevância, à medida que nunca cede às tentações de surfar nas ondas fáceis da nostalgia ou naufragar na mesmice. É uma banda inevitavelmente contemporânea. O novo passo dado para a manutenção desse status é o seu sétimo álbum, Sleep Well Beast.

A despeito de algumas mudanças estéticas pequenas, como, por exemplo, o uso mais moderado da Eletrônica nas faixas, e a temática da maioria das canções, no caso, a chegada da meia idade e as agruras de perceber os primeiros traços inequívocos de envelhecimento, Beast ainda é um típico álbum de The National. Aqui convivem a ótima produção dos irmãos Aaron e Bryce Dessner – dessa vez assessorados pelo vocalista Matt Berninger – que deve ser o fator principal por este escudo protetor de Colgate que impede a arte do grupo de criar rugas. Os timbres são sombrios mas há sempre espaço para alguma intervenção no arranjo que ilumine aqui e ali. A voz de Berninger evoca a escola de vocalistas carismáticos dos anos 1980, especialmente gente como Ian MacCulloch (Echo And The Bunnymen), Nick Cave e pitadas parcimoniosas de Tom Waits e Leonard Cohen, levando seu registro vocal para o lado negro da alma humana. Em um disco como esse, com temática orbitando a passagem do tempo e seu efeito sobre nós, tal voz serve como um pequeno demônio em nosso ombro, sussurrando impropérios e tentando nos convencer a desistir de impulsos fora de época. A onda é, mais ou menos, “dê-se por satisfeito em sobreviver, não queira nada além disso, você não vai conseguir”. Ao contrário de parecer conformismo ou derrota, o cotidiano nos leva a perceber isso como verdade, mais cedo ou mais tarde. É nesta humanidade inevitável que está um dos charmes do disco.

Duas canções parecem obras totalmente oriundas do Pós-Punk oitentista, caso da belezura de Day I Die, com guitarras em comichão, bateria frenética e uma levada aerodinâmica bem bonita. A outra concessão a uma forma mais explícita de volta ao passado é Turtleneck, que entrecruza climão dark de gente como Sisters Of Mercy com algum guitarrismo climático noventista, algo que poderia ser de um Pearl Jam, digamos. O resto das faixas ostenta aquela obliquidade típica das canções inclassificáveis, mas que exibem traços familiares a muitos. É o caso do primeiro single, The System Only Dreams In Total Darkness, que mistura traços de canções de Nick Cave com algum otimismo à la U2, algo que perpassa o terreno estético e adentra algum rincão empático, gerando uma sensação interessante e a certeza da beleza da canção.

Outros casos interessantes de reconhecimento-não-reconhecimento vêm com as audições de I’ll Still Destroy You, que pega eletrônica noventista para servir de textura, enquanto Berninger entra sussurrando sobre como as coisas costumavam ser e não são mais. Guilty Party também empresta essa massaroca de blips e blops para contrapor a uma ambiência pianística bem triste, que começa com o verso sintomático das depressões “you’ve been sleeping night and day”. Dark Side Of The Gym parece uma canção pop convencional, algo que traz até teclados que evocam Secret Garden, de Bruce Springsteen, mas que vai para outro lado, com uma beleza gelada e contemplativa que cai bem numa tarde cinzenta da qual não queremos escapar por vários motivos. O fecho vem com a faixa-título, mais de seis minutos de teclados e percussão eletrônica com sussurros e murmúrios quase sem melodia, mas que abraçam o ouvinte.

Sleep Well Beast é um disco de canções, mas, acima de tudo, é um disco de climas, sutilezas e audição completa. Funciona melhor como uma imersão, uma peça completa, algo assim. A impressão é de que este efeito não foi intencional, porém, inevitável. Um belo trabalho de uma bela banda.

(Sleep Well Beast em uma música: The System Only Dreams In Total Darkness)

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BOM PARA QUEM OUVE: TV on the Radio, Nick Cave, Arcade Fire
ARTISTA: The National

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.