Resenhas

Tame Impala – Lonerism

Segundo trabalho do grupo australiano é melhor, maior e mais tangível, ao mesmo tempo que mantém as suas raízes psicodélicas

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Ano: 2012
Selo: Modular Records
# Faixas: 12
Estilos: Rock Psicodélico, Rock
Duração: 51:53
Nota: 5.0
Produção: David Fridmann

O segundo disco nunca parece ser uma tarefa fácil pra ninguém. Expectativa versus realidade, inovar o som ou manter a fórmula consagrada, a verdade é que não existe uma receita consagrada para a continuidade de um trabalho, só existe uma pressão muito maior que muitas bandas conseguem lidar e outras não. O que dizer então, quando você se depara com um álbum tão bom quanto o primeiro, de um grupo que é o símbolo de uma nova cena que está bombando? Não se empolgar chega a ser complicado em uma situações dessas.

Lonerism do Tame Impala é um disco exemplar no sentido de evolução musical sem perda de raízes. O grupo que lidera a cena Psicodélica de Perth na Australia, que tem bandas extremamente interessantes como Pond, Mink Mussel Creek e Space Lime Peacock, lançou em 2010 um cultuado álbum de estréia que soava como a música tocada no final dos 60. Se alguém jogasse Innerspeaker em uma cápsula do tempo, junto com o primeiro trabalho do Pink Floyd, Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band dos Beatles e o Axis: Bold as Love do Jimi Hendrix, colocando um simples bilhete dizendo “estes sons são da mesma época e representam a Psicodelia”, com certeza não levantaria suspeita de ninguém.

A verdade é que Tame Impala era a caráter, em seu primeiro disco, essencialmente uma banda de revival do Rock Psicodélico, mas que soava tão orgânica que fazia qualquer um acostumado ao som viajar no tempo quando a escutava. Felizmente, tais elementos se mostram ainda presentes e mesclam-se a outros neste que é um dos melhores álbuns, se não o melhor, de 2012.

Com um som paradoxalmente mais Pop e mais viajado ao mesmo tempo, a banda ganhou muito ao passar Jay Watson da bateria para os sintetizadores e trazer Julien Barbagallo para a bateria. O acréscimo do instrumento trouxe uma série de sons mais contemporâneos que se casam muito bem com a voz marcante, e que lembra muito a de John Lennon, de Kevin Parker. Ele, aliás, se mostra mais expansivo e menos tímido, ciente do papel que terá daqui pra frente na música.

Be Above It, que abre o disco, é o maior exemplo disso. Começando como um sussurro antes de entrar no palco, diz “gotta be above it” (ou “preciso superar isso”), demonstrando os medos de alguém que está diante de uma banda que só cresce aos ouvidos alheios. Crescente, transpira nervosismo no começo para depois declarar que precisaz superar tudo isso, “Cause I know that I gotta be above it now/ And I know that I can’t let them bring me down /And I gotta fight my time as a face in the crowd”.

Endors Toi começa com os sintetizadores que dão a nova cara do grupo. Com um nome em francês, talvez seja uma referência, no mínimo sonora, a Melody’s Echo Chamber, cantora francesa que Kevin ajudou a produzir. Nesta faixa, o baixo bem dosado aliado ao baterista que toca militarmente a caixa, características usuais do grupo, contracenam com voz pegajosa e viajada de Parker.

Apocalypse Dreams , uma das poucas músicas novas tocadas no incrível show do grupo no Brasil, tem como ponto marcante o baixo de Nick Albrook, vocalista do Pond, que leva o ouvinte a viajar na transição entre verso e refrão. “Everything is changing and there’s nothing I can do about” é uma ótima evolução ao grupo, que utilizou justamente este trecho como teaser para o novo disco.

Mind Mischief é sexy com seus acordes simples que contracenam com uma bateria rotativa. “Me and my love and we take it slow” diz Kevin nessa que é, com certeza, uma das melhores músicas do grupo, uma Psicodélica tangível e que não deve ser escutada sozinha, mas sim com a pessoa amada. Poucas faixas trazem, tão perfeitamente, a atmosfera criada no título como em “Music To Walk Home By”. Duvida? Vá a pé na padaria e volte escutando-a, com certeza se encaixará ao percurso.

Lonerism significa basicamente a solidão,e faz sentido que a melhor música do disco , e talvez a mais Pop , aborde justamente este tema. Why Won’t They Talk to Me? soa extremamente pessoal para Kevin “I’m so alone, I’m just falling/I guess I’ll go home, try to be sane, try to pretend all of it happened” canta o vocalista para depois criar um dos melhores refrões do ano ao repetir o título da música de forma tão pegajosa e viciante. O melhor de tudo é que a letra triste contracena com um clima ensolarado, e ao fim tudo parece bem apesar de ninguém querer falar com você.

Um disco é muito bom quando mal se digeriu uma música,e com a adrenalina ainda correndo nas veias nos deparamos com uma faixa seguinte ainda melhor. Feels Like We Only Go Backwards tem três segundos que soam quase como a introdução de um Hip Hop para logo depois a voz progressiva de Kevin nos fazer viajar com uma baixo que eleva o espírito, e elimina qualquer caos ou preocupação. Keep On Lying é pra ser escutada na praia ou no parque, sentado com o sol aquecendo o corpo, aproveitando o calor e levando a vida bem devagar. Se tivesse um significado seria Carpe Diem.

Demoram noves faixas no álbum para que o primeiro single seja tocado. Confiança? Com certeza. Elephant é uma marcha Rock & Roll, pesada e que lembra muito o Black Sabbath. É impossível não mexer freneticamente a cabeça aos sons dos acordes abafados. Na metade dela, o solo no sintetizador quebra o ritmo mas mantém o caráter pouco leve da canção. Sensacional.

She Just Won’t Believe Me dá raiva. Quando a voz de Parker ecoa e repete o título da faixa, expandindo horizontes como abertura de uma nave espacial , e ânimos começam a se exaltar, ela acaba com seus poucos mas marcantes 50 segundos. Felizmente Nothing That Has Happened So Far Has Been Anything We Could Control, com seu título gigantesco mas beleza imensa, acalmam os mais impacientes. Lembrando muito o primeiro disco, tem na guitarra que ecoa de uma ouvido ao outro uma satisfatória vertigem e confusão depois de tanta Psicodelia. É com certeza a canção mais grandiosa do disco com seus sintetizadores se mesclando tão organicamente a altíssima bateria e baixo. Ela compensa a falta de músicas instrumentais no disco, algo usual do Tame Impala, com a segunda metade dela praticamente omitindo a voz.

A voz de Kevin nunca soou tanto como John Lennon como na música que encerra o disco, Sun’s Coming Up (Lambingtons). Conduzida inicialmente no piano e na voz , dessa vez sem efeitos, não soa calma como a união de tais instrumentos deveria parecer. Acordes graves em ambos dão o tom da faixa até que no fim uma experimentação absurda leva o ouvinte a derreter nos derradeiros momentos do disco.

O que parecia impossível depois do cultado Innerspeaker se torna realidade em Lonerism. Sim o Tame Impala se tornou um grupo muito maduro, e como representante maior do Rock Psicodélico atualmente, traz agora músicas mais tangíveis, que soam mais Pop e pegajosas. Companheiro perfeito para momentos instrospectivos, para belas paisagens ou qualquer vontade de fuga, Tame Impala trouxe um dos melhores discos do ano. Pra você que perdeu os “pequenos shows” deles por São Paulo e Rio de Janeiro, esteja ciente que daqui pra frente a chance de vê-los só tende a diminuir a medida que a banda se consolida como uma das melhores bandas de Rock da atualidade.

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BOM PARA QUEM OUVE: Melody's Echo Chamber, Pond, Pink Floyd
ARTISTA: Tame Impala

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.