Resenhas

Vince Staples – Big Fish Theory

Segundo álbum do rapper norte-americano rima sobre a contradição

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Ano: 2017
Selo: ARTium, Blacksmith, Def Jam
# Faixas: 12
Estilos: Rap, Hip Hop
Duração: 36:04
Nota: 4.5
Produção: Ray Brady, Christian Rich, Jimmy Edgar, Flume, GTA, Zack Sekoff, Sophie, Justin Vernon

No ano de 2013, o dicionário Merriam-Webster incluiu entre as definições da palavra “literalmente”, a seguinte: “expressão usada de maneira exagerada para enfatizar uma declaração ou descrição que não é literalmente verdadeira ou possível”. Ou seja, desde o início da década, vivemos oficialmente em um mundo no qual uma coisa pode significar, literalmente, o seu contrário.

Big Fish Theory o segundo álbum completo de Vince Staples, rapper norte-americano de apenas 23 anos de idade, é um trabalho marcado pela ironia, ou seja, inscreve-se na complexidade de sua geração, que pensa em contradição e sempre dá a entender o contrário daquilo que diz.

O álbum avança por batidas eletrônicas desconstruídas, nas quais ritmo e melodia estão em constante atrito. Big Fish Theory caminha sobre os detritos daquilo que o Rap já foi, uma rachadura no tempo formada por aquilo que, segundo Staples, o estilo perdeu e ainda não é. Essa é uma herança do Rap que une o Post-Dubstep de James Blake à postura anárquica e sombria de Tyler, The Creator (o auto-intitulado “walking paradox”) e seus comparsas do coletivo OddFuture.

Staples, apesar de famoso, critica a tamanha importância que as pessoas dão àquilo que não é o Rap: a fama, o status, o dinheiro, etc. Alinha-se aos os assuntos que despreza e rima sobre eles. Sua música segue esse caminho: refrãos dignos de contaminar as rádios mundiais não escapam ao olhar blasé do artista e ao fundo amargo de sua língua. Nesse canteiro de obras, músicas imersivas como Crabs in a Bucket dividem espaço com outras como a tocante Alyssa Interlude (que homenageia Amy Winehouse) e a sarcástica 745.

Muito do que Vince Staples é e faz pode ser compreendido como uma herança vinda de dois dos maiores representantes do Rap contemporâneo. Suas constantes aparições em programas de entrevistas nos remetem à Kanye West. O músico fala aleatoriamente em um fluxo de consciência que deixa o público perplexo entre o absurdo e a genialidade. Por exemplo, ele é capaz de dizer com um olhar plácido “você sabia que uma lagosta nunca morre, a menos que a matemos?” (a propósito, isso é mais ou menos verdade: uma lagosta só é literalmente imortal na medida em pode viver por mais de 100 anos). Se Staples fala como West, no entanto, rima como Kendrick Lamar. Não espanta pensar que DAMN. é o álbum de um artista amaldiçoado por contradições.

Staples enxerga no mundo do Rap uma decadência, e dedicou um álbum à ela. E é através do atrito entre o que faz e o que diz que o artista vai polindo sua importância no cenário da música atual. Big Fish Theory é um álbum essencialmente contemporâneo. O potencial do trabalho está em assumir a subversão de seus próprios pressupostos, ou seja, o que o caracteriza não é a coincidência consigo mesmo, mas o confronto com sua realidade exterior.

(Big Fish Theory em uma música: Crabs In A Bucket)

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Autor:

é músico e escreve sobre arte