Resenhas

Fleet Foxes – Crack Up

Com grande fluência no Indie Folk, banda lança obra definitiva do gênero

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Ano: 2017
Selo: Nonesuch Records
# Faixas: 11
Estilos: Folk, Indie Folk
Duração: 55'
Nota: 5.0

Existe um tema bastante recorrente na pintura do Romantismo que é o ser humano em frente à imensidão da natureza, seja ela o mar, uma cachoeira, um vale ou qualquer outra cena que faça o personagem reconhecer o seu tamanho diminuto perante o mundo, ao mesmo tempo que aquilo que ele observa reflete também a projeção que ele faz de seu imenso interior. Ou seja, o homem é capaz de se ver como tempestuoso, denso ou mesmo infinito da mesma maneira que observa a natureza.

Há também uma correlação interessante entre a música Folk e o Romantismo, não só pelo conceito de “folclórico” ter nascido nessa época, mas porque o gênero como o conhecemos hoje costuma dialogar com os mesmos elementos naturais em suas figuras de linguagem para, assim como a arte daquele movimento do passado, também exprimir conteúdo introspectivo, contemplativo e, ao mesmo tempo, universal. Não é à toa o estilo inspirar-se tanto no homem interiorano, aquele cercado de verde, para as suas composições, mesmo elas sendo feitas em grandes centros urbanos como São Paulo, Londres ou Seattle – caso da banda Fleet Foxes.

Se esses conceitos seriam válidos para qualquer um de seus lançamentos anteriores, eles cabem ainda mais na audição de Crack Up, um trabalho que evoca a ambientação mais comum do Indie Folk para, com grande liberdade criativa, entregar uma coleção de músicas sublimes construídas a partir de metáforas com a natureza, harmonias vocais tão conhecidas do grupo e, veja só, um inteligente uso do silêncio em suas faixas.

Os intervalos sonoros que acontecem desde a primeira música costumam anteceder, embora nem sempre, momentos de instrumentais grandiosos que ocupam todos os cantos de seus fones de ouvido. Mais do que um artifício dramático, como a trilha sonora em uma cena de suspense que cresce no momento do susto, é essa dinâmica que confere ao disco um estado de tensão constante, aliviado apenas pelo êxtase que é ouvir arranjos tão belos e tão bem executados – é o homem que pisa nas pedras fascinado pelo oceano, ao mesmo tempo que intimidado por ele.

Crack Up é um disco de ouvir com o corpo inteiro, algo que tem muito menos a ver com a dança que uma afirmação dessa pode comunicar e muito mais com uma entrega do ouvinte. Fica difícil, inclusive, escutar faixas aleatórias, visto que elas se encaixam tão bem umas nas outras, do tipo que confunde o término de uma com o início da seguinte. Além dessas emendas, os nomes múltiplos das músicas dão a pista de que, na verdade, a organização de números ao lado dos títulos é mera formalidade do formato “álbum”. Ele merece ser ouvido, diversas vezes, como uma obra só.

É nessa repetição também que se descobrem as nuances de uma grande história contada aqui, em cenas descritas com muitos substantivos, um grande ênfase na dinâmica entre tempo e espaço (lugares e épocas específicos são mencionados em várias das canções, às vezes até mesmo em seus títulos) e, principalmente, um grande número de indagações, sendo I Should See Memphis a única que não traz um ponto de interrogação em sua letra.

E isso possui um efeito direto no retrato tão humano que Crack Up consegue imprimir em suas músicas. O eu-lírico tão racional e observador, tão esclarecido de referências literárias, se vê em um estado de contemplação de suas experiências e sentimentos, envolto pelos questionamentos que essa dinâmica causa. É como se a soma dos fatores que compõem sua mente e psiqué gerassem um equilíbrio sempre tenso, e essa inquietude viesse à tona como força criativa para explorar todo um universo que encontra-se contido em um corpo habitante do espaço e do tempo.

Ou seja, Fleet Foxes conseguiu repetir aquilo que tantos artistas também fizeram no Romantismo: Comentar a condição humana, ilustrar a sensação de se estar vivo e comentar a magnitude do eu de uma maneira que só a arte dá conta, com toda a grandiosidade que esse tema necessita e toda a fluência musical necessária para que a audição não seja apenas impressionante, mas plenamente agradável.

(Crack Up em uma música: Third of May/Ōdaigahara)

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ARTISTA: Fleet Foxes
MARCADORES: Folk, Indie, Indie Folk, Ouça

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.