Resenhas

Sarah Abdala – O E S T E

Segundo disco da compositora é rico em trazer questionamentos e investigações psicológicas

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Ano: 2017
Selo: Rock It!
# Faixas: 10
Estilos: Singer-Songwriter, Folk, MPB
Nota: 4.0
Produção: Eduardo Manso e Sarah Abdala

Freud que me desculpe, mas a música é o instrumento de análise mais poderoso que existe. É curioso que, ao mesmo tempo que o compositor cria sua arte como um alívio para seus anseios particulares, ele pode recorrer à mesma como forma de investigação, procurando sentidos a partir das escolhas que fez. É um processo cíclico e que, ironicamente, às vezes acaba realimentando mais dúvidas no consciente e inconsciente do autor do que quando começou a construir a obra em questão. É um tanto sadomasoquista que isso lhe assegure. É doloroso, mas certamente prazeroso, à medida que você se confronta com autodefinições que mal poderia imaginar, adicionando certa dose de medo e surpresa a este processo. Assim, esta dinâmica acaba por definir nossa reação ao nos depararmos com o novo, misterioso e enigmático mundo de Sarah Abdala.

O E S T E é o segundo disco da goiana criada no Rio de Janeiro. Levando à risca o termo singer-songwriter, ela nos apresenta dez composições que funcionam como amostras de um universo complexo que assusta até ela própria. Um universo que, por meio de reverbs, ambientações gélidas e melodias poderosíssimas evidencia dores, anseios mas também certezas e epifanias. É curioso também como, a partir de cada elemento colocado no álbum, podemos deduzir a mistura de referências de Sarah comporta em sua mente. Há algo de Folk que tange os universos sentimentais de Bright Eyes e Sufjan Stevens mas, ao mesmo tempo, existe uma melodia indiscutivelmente brasileira, quase como uma Rita Lee que encontra Papisa. Os arranjos são dúbios, mostrando tanto uma melancolia de influência radioheadiana, como um otimismo resistente até a última gota.

O trabalho inicia com Mira, contemplando a grandiosidade e complexidade de um mundo repleto de possibilidades, quando dito “Tente abraçar meu mundo/mesmo que não caiba não”. O single Cavalgada, por sua vez, é mais tímido e intimista, com um violão honesto e harmonias de vozes que nos cativam docemente. Água Fresca é quase um mantra shamânico revelando a intensa e profunda relação com a natureza que Sarah tem, evidenciando alguma relação com Boca Livre e os grupos vocais dos anos 1980. Pulsa é a mais dolorosa e perversa, com acordes estridentes de guitarra e um timbre de sintetizador grave que nos coloca praticamente dentro de um culto pagão, onde a dúvida e angústia são celebradas. Rua é uma das composições mais nostálgicas do trabalho, com um excelente arranjo ecoado e distante, tal como as memórias da tal cidade. Por fim, Madrugada encerra o trabalho como se chegássemos tarde a nossa casa, cansados, diante de uma viagem exaustiva e todo que nos resta e ouvir a confortável canção final do trabalho.

Sarah Abdala encara esta viagem com muita coragem e requer de nós nada mais, nada menos. É um disco interessante que traz em sua missão nos tirar da zona de conforto que são as aparências e conhecer os microcosmos dela, o que acaba por nos revelar novos pontos de vista (tal qual a capa do disco, fotografia da própria Sarah). Novos caminhos podem revelar outros lados deste infinito poliedro de personalidades, mas O E S T E é certamente um marco dentro dos registros de autoinvestigação brasileiros. Daria para escrever um tratado de psicologia com estas dez faixas.

(O E S T E em uma faixa: Pulsa)

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BOM PARA QUEM OUVE: Alice Caymmi, Bright Eyes, Radiohead
ARTISTA: Sarah Abdala

Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique