Resenhas

Xiu Xiu – FORGET

Projeto californiano lança trabalho surpreendentemente acessível

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Ano: 2017
Selo: Polyvinyl
# Faixas: 10
Estilos: Eletrônico Experimental
Duração: 43
Nota: 4.0
Produção: John Congleton

O filósofo português Helder Gomes Cancela em seu livro O Exercício da Violência propõe a seguinte questão: “qual a quantidade de esquecimento que é preciso acumular para continuar a confiar no mundo e nos homens?”. Propondo que a cultura, a violência, e o desfasamento entre convicções necessariamente coexistem nesse terreno inseguro que é o da expressão humana, a pergunta parece sugerir, já de partida, aquilo que deseja ouvir como resposta. Nesse sentido, deparar-se com o novo álbum do projeto experimental californiano Xiu Xiu, é como encontrar uma afirmação categórica para uma verdade inconveniente: FORGET é um manifesto que Jamie Stewart assina com seu décimo terceiro álbum.

Polêmica, incômoda e escatológica, Xiu Xiu é, em si, um desfasamento. Na tentativa de criar seu próprio universo intragável, alienada nos recônditos mais desconfortáveis da psique humana, acaba abrindo os olhos – e ouvidos – do seu público, para realidades difíceis de encarar. É uma banda performática, no sentido em que força os limites do possível apenas para alargá-los. É graças a sua autenticidade, e à sua falta de concessões estéticas, que o projeto tornou possível a existência de um território torto no qual violência e música habitam simultaneamente. Hoje em dia, não só Death Grips, Pharmakon ou Arca são projetos consagrados, como também a própria existência de FORGET não nos soa tão arredia como a de seus antecessores.

Por isso, se Angel Guts: Red Classroom e Always não soavam “adequados para qualquer pessoa”, ouvir FORGET é, dependendo do ângulo sob o qual se olha, um alívio, ou uma decepção. Eu diria, aliás, que a acessibilidade praticamente inédita com a qual o álbum se manifesta é, na verdade, sintomática. Uma necessidade de ser ouvido. Diante da agressividade política que se manifesta nos Estados Unidos – com Donald Trump e sua islamofobia sendo apenas um exemplo evidente entre tantos possíveis -, Xiu Xiu soa mais melodioso, reflete de forma melancólica a realidade na qual está inserida. A capa mostra uma caligrafia árabe que diz “nós esquecemos”, enquanto a faixa de encerramento Faith, Torn Apart canta “no one hears no one” (ninguém ouve ninguém).

Saído de um período extremamente produtivo (a banda, entre outras coisas, lançou recentemente uma reinterpretação da trilha sonora de Twin Peaks, compôs para uma instalação do artista Danh Vo e gravou um álbum colaborativo com com Merzbow), o grupo parece ter liberado um pouco da energia agressiva acumulada e acabou impregnando novas nuances climáticas em sua música. Fora isso, constam aqui inúmeras participações especiais (Vaginal Davis, Greg Saunier e Kristof Hahn entre eles), o que torna o álbum muito mais democrático. Disto tudo resulta o álbum mais acessível de Xiu Xiu até agora, e talvez, o primeiro manifesto do grupo contra a violência cultural de nossa realidade política.

(We Forget em uma música: Get Up)

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BOM PARA QUEM OUVE: Arca, Pharmakon, Death Grips
ARTISTA: Xiu Xiu

Autor:

é músico e escreve sobre arte