Ouvir um disco de Hip Hop/Rap feito em 2017 não é o mesmo que ouvir um trabalho feito em 1992. O estilo mudou, as referências mudaram, as aparências talvez. O que permanece presente é a desigualdade e as narrativas que expressam tal fato, feitas pela população negra norte-americana, os tais afrodescendentes. Por mais que algum nigga da região tenha sucesso e ganhe uma grana com isso, sempre haverá a origem, a cultura, a vizinhança, o lugar de onde veio. E tudo isso é o tema que o trio Migos discorre neste seu segundo disco, C U L T U R E.
Confesso aos leitores que tenho preferência estética pelos padrões antigos do Rap, a saber, o uso massivo do sampling como forma de revisitar/ressignificar canções de outros tempos, a serviço de um flow esperto/malandro que notabilizasse o vocalista/compositor dos versos e narrativas. Se a banda ainda tivesse a manha de samplear elementos alheios ao mundo do Rap, como o Country, o Jazz ou algo ainda mais exótico, melhor seria o resultado. Sendo assim, não me agrada especialmente a onda na qual boa parte dos artistas do estilo vêm abraçando hoje, a mistura com blips e blops da música eletrônica, especialmente porque a tal EDM de hoje é de uma pobreza extrema e atroz. Se isso ocorresse em meio ao tempo dourado da Eletrônica noventista, eu não estaria criticando, acreditem.
O que Migos, um trio de sujeitos de Atlanta, tem a ver com isso? Nada, os caras seguem a tendência atual e fazer um bom trabalho. Chamaram um bonde de produtores de todos os tipos e se engalfinharam com treze composições no estúdio, procurando colocar os melhores vocais e conseguir os timbres mais próximos de ambos os lados, agradando – ou tentando agradar – tanto os fãs da tal EDM como os hip-hoppers mais empedernidos. Deu certo, até porque a audiência de fãs de Eletrônica entre os ouvintes de Rap é crescente e responsável pela introdução sem atritos do estilo na “música alternativa” global.
Há bons destaques por aqui: o hit Bad And Boujee já surge como uma das grandes músicas deste início de ano, enquanto a levada dolente de T-Shirt antecipa apocalipses de bolso em pouco mais de quatro minutos de duração. Slippery, com a participação do camarada Gucci Mane também tem um bom uso de sintetizadores e promove um ritmo hipnótico, cuja tranquilidade contrasta com as alternâncias nos vocais e batidas. Deadz é outro exemplo do uso de sintetizadores e de como eles podem dar um molho dramático na canção, sem afetar a lógica dos beats. A caminho do fim, duas grandes faixas: Kelly Price, cuja dolente progressão de batidas é abalroada por vocais inconstantes, é sucedida por Out To Way, com jeito de lembrança da infância dos próprios Migos.
Se o presente/futuro do Rap pode desagradar aqui e ali, há que enxergar na aproximação com batidas e estéticas novas uma forma da própria música sobreviver de acordo com as mudanças da própria sociedade. Isso, meus caros, é algo que a música popular sempre fez, faz e fará. Nos resta entender e apreciar.
(C U L T U R E em uma música: Out To Way)