Resenhas

Alicia Keys – Here

Cantora e compositora novaiorquina faz seu trabalho mais próximo do Hip Hop

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Ano: 2016
Selo: RCA
# Faixas: 18
Estilos: R&B, Jazz, Hip Hop
Duração: 45:55
Nota: 3.5
Produção: The Ill'uminaries, Alicia Keys, Pharrell Williams, Swizz Beats

Ninguém discute o talento de Alicia Keys, certo? Pianista competente, cantora abençoada, mulher inteligente, engajada e, de vez em quando, ainda aparece nas telas atuando. Tem bom faro para colaborações, se apresenta bem ao vivo, domina os terrenos tradicionais da música negra americana com mais propriedade que, digamos, Beyoncé e Rihanna, além de parecer, em termos musicais, uma artista muito mais completa e interessante que estas duas. Mais que isso, Alicia também oferece um resultado musical capaz de conferir elementos que vão além da pura diversão Pop, ainda que saiba transitar neste ambiente com desenvoltura. Suas canções proporcionam mais que dança, elas têm letras interessantes, boas sacadas de produção – da qual ela, via de regra, se encarrega – e sintetizam essa junção urbana-contemporânea de estilos como R&B, Hip Hop e Eletrônica com pitadas de Jazz, tudo reinventado e atual como o noticiário de hoje à noite.

Here é o sexto trabalho de Alicia e o mais distinto. Ela resolveu fazer o que os economistas do início do milênio chamavam de “downsizing”, ou seja, encolher, depurar, filtrar excessos e manter o essencial. Na teoria econômica, era apenas um nome chique e novo para mandar gente embora e contratar terceirizados, como manda a cartilha neoliberal. Em termos musicais, significa manter apenas o que importa na música do artista. No caso de Alicia, importa sua voz e seu piano, além de umas batidas aqui, uns samples ali, e um clima que se aproxima mais do Hip Hop do que qualquer incursão anterior da moça. O problema é que Alicia não é rapper e ela sabe muito bem. Escapole da armadilha fácil da banalidade com seu charme habitual. O problema é que o álbum parece ser de Hip Hop, com algum alívio em canções mais Pop que, ainda assim, são menos adereçadas que suas produções em outros tempos. Nelas é que nossa bela cantora se dá bem.

Em termos de Rap/Hip Hop, acho que o grande barato está na reinvenção e no uso de trechos de velhas canções, o bom e velho sampling. Alicia faz isso muito bem em alguns momentos do álbum. Por exemplo, na luminosa Blended Family (What We Do For Love), da qual também participa A$AP Rocky, ela usa trechos de What I Am, velha composição de Edie Brickel, da virada dos anos 1980/90. Os acordes de guitarra oferecem bom contraponto ao clima da canção. A participação de Rocky também surge como um bom rap, honesto e que acrescenta a profundidade necessária, com Alicia soltando sua voz num bom e simpático dueto. Outro momento luminoso assim surge em Girl Can’t Be Yourself, que traz o arcabouço rítmico da bela versão da diva Grace Jones para La Vie En Rose, propondo um contraste entre o clima hedonista da gravação de Jones e uma história cada vez mais frequente de briga por direitos das mulheres. A mescla entre letra, canção e sampling é excelente.

Outras criações são simpáticas: o clima Gospel de More Than We Know proporciona a Alicia sua melhor performance vocal no álbum e ela faz isso apenas sobre o necessário ao qual nos referimos lá em cima: piano e batidas. Where Do We Begin Now também é boa, tentando investir numa onda sussurrada/sexy, que funciona bem, mas que poderia ter um resultado bastante superior. Holy War, também com guitarras dedilhadas e sampleadas tenta chegar num nível interessante de simbiose entre tradição e modernidade, mas fica no meio do caminho, como uma criação razoável apenas. Hallelujah, que não é a de Leonard Cohen, também usa algo de Gospel, mas soa mais como uma canção apocalíptica, o que é muito bem vindo, dadas as circunstâncias atuais do planeta. A abertura do disco, com The Gospel, surge não no sentido espiritual, mas na tradução de um cotidiano opressor como o significado de “evangelho”, no caso, a “palavra de Deus”, como se não houvesse muito motivo para esperanças, a menos que mudemos algo. O encerramento surge aquém deste bom nível de canções, com uma frouxa In Common, meio dançante, meio anticlímax.

Se tivesse menos intervalos com falações de produtores e mesmo menos faixas, este álbum seria irrepreensível. Mesmo assim, a qualidade de algumas canções mostra que Alicia Keys é um dos grandes nomes da música planetária. Se havia alguma dúvida quanto a isso, Here surge pra encerrar qualquer discussão quanto a isso.

(Here em uma música: Blended Family (What We Do For Love))

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BOM PARA QUEM OUVE: Robert Glasper, Solange, John Legend
ARTISTA: Alicia Keys
MARCADORES: Hip Hop, Jazz, R&B

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.