Resenhas

St. Paul & The Broken Bones – Sea of Noise

Sexteto norte-americano faz bom disco de Soul com tinturas espirituais

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Ano: 2016
Selo: Records
# Faixas: 13
Estilos: Soul, R&B, Pop Soul
Duração: 41:05
Nota: 3.5
Produção: Paul Butler

Em tempos materiais e monetários como os atuais, somos levados a acreditar que Deus é dinheiro ou que vivemos sob a égide do “Deus Dinheiro”, coisas diferentes, notem bem. Qualquer movimento em direção ao espírito, que pareça prático e desinteressado, adquire ares de utopia. É de se admirar que ainda haja condição para uma banda de Soul Music surgir no estado norte-americano do Alabama e que sua origem seja calcada nos ensinamentos proferidos numa igreja pentecostal. E que, mais adiante, o líder dessa formação leve tais pensamentos adiante e os utilize para formatar sua arte.

Este é o caso de Paul Janeway, vocalista e líder de St.Paul & The Broken Bones. Sua origem é a música Gospel convencional, sendo que ele confessa ter ouvido artistas seculares na adolescência, especialmente Sam Cooke e The Stylistics, dois colossos da música negra americana de todos os tempos. A partir daí, viu que seu caminho seria entrelaçado de forma essencial com a música. Tentou, perdeu, ousou, quebrou a cara e, num último movimento, traduzido num ensaio com o baixista Jesse Phillips, no qual ambos apostavam suas últimas fichas na música, viram a tal luz no fim do túnel. Isso foi há meros quatro anos, dois EPs e um CD atrás.

Este bom Sea Of Noise aponta para a direção que Paul entende como a mais coerente: uma banda de Soul “positivo”, sem que haja rotulação às prateleiras Gospel, mas que prima por letras otimistas e/ou reflexivas sobre a condição humana no mundo de hoje, talvez procurando, sem rótulos, despertar em todos alguma conexão que permita enfrentar melhor as adversidades, sempre lembrando que o sistema nos quer divididos e por conta própria, enquanto sempre, historicamente até, fomos mais fortes em grupo. É discreto, mas é um ato levemente revolucionários nesses tempos. Para temperar essa mensagem – subliminar – a banda, um sexteto, oferece música da melhor qualidade e relevância. Não há Eletrônica ou truques estéticos por aqui, é tudo mais ou menos cru e de verdade. Aliás, se há um sentimento que o álbum transmite imediatamente é a vontade/certeza de querer ver esse pessoal ao vivo, num palco pequeno em meio a uma espelunca qualquer.

As canções estão acima da média, evocando a tradição do Soul sulista americano, especialmente das gravadoras Stax/Volt e da produção primordial dos estúdios Muscle Shoals, vizinhos da Birmingham natal dos caras. Envolvidos por este espírito e por esses ares, os sujeitos não conseguem fazer nada fora do ideal, exibindo um talento inegável, com destaque para o organista Al Gamble e para os vocais do próprio Janeway, que fazem bonito em muitos momentos. Ser tradicional, no entanto, não significa ser nostálgico ou datado. Há vários momentos em que a banda imprime detalhes em suas canções que são inegavelmente do século 21, como, por exemplo, a levada de bateria moderninha que impulsiona Midnight On Earth, uma canção cheia de suíngue e ganchos melódicos, bem como vocais de apoio interessantes, que apostam no falsete. Outro detalhe: a figura feminina que a banda – só de homens – assume em I’ll Be A Woman, que tem arranjo de cordas sutis e andamento mais lento, com ar de canção de comunhão e canto coletivo.

Destaques não faltam por aqui, mas talvez a melhor faixa deste belo álbum seja Flow With It (You Got Me Feeling Like, com levada sinuosa de guitarras, percussões por toda parte e um refrão matador, algo essencial para qualquer estilo. Mais que um exercício revisionista de estilo, talvez a própria história dos músicos, talvez sua mensagem, talvez tudo que significa a própria banda conceda aos ouvintes alento suficiente para embarcar nesta aventura sonora pelos caminhos tortuosos do espírito num mundo material. Talvez seja só boa música, mas o que temos aqui é bem acima da média.

(Sea Of Noise em uma música: Flow With It (You Got Me Feeling Like)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.