Resenhas

Of Montreal – Innocence Reaches

Banda americana segue com sua visão psicodélica da música Pop

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Ano: 2016
Selo: Polyvinyl Records
# Faixas: 11
Estilos: Rock Alternativo, Pop Alternativo, Psicodelia
Duração: 56:32
Nota: 3.5
Produção: Kevin Barnes

Sempre desconfiei que havia algo no abastecimento de água de Athens, no estado americano da Georgia. “E por quê?”, você irá perguntar, com certa dose de razão. Porque de lá vieram bandas absolutamente legais e diversas como R.E.M, B-52’s, 10.000 Maniacs, Drive-By Truckers, The Olivia Tremor Control, Elf Power, entre tantas outras. E também a colorida e mutante Of Montreal, que despontou na segunda metade dos anos 1990, em meio ao interessante boom de formações neo-psicodélicas e então moderníssimas, oriundas do selo/gravadora/coletivo Elephant 6. Pouco desta estética sonora permaneceu ao longo de quase 20 anos e treze discos, mas podemos dizer que há muito de Psicodelia e liberdade criativa na capacidade que a banda tem de se apropriar de várias referências musicais distintas e ainda soar original e, mais que isso, como Of Montreal. Este 14º trabalho, Innocence Reaches não foge a essa regra.

A banda sempre foi, na verdade, um veículo para a mente criativa de Kevin Barnes e sua visão musical do mundo. Já transitou de abordagens de Rock Psicodélico lá no início da carreira, passou por estilo distintos como Progressivo e Eletrônica ao longo do tempo e vem agora com uma suposta adesão à música Pop contemporânea, algo que é demolido logo de cara, na primeira faixa, mas que não significa, em hipótese alguma, que o álbum é ruim ou pouco inspirado. A tal faixa, Let’s Relate, exibe alguma banalidade em seu arranjo, mas joga em confronto um instrumental bobinho com belos vocais saturados de Barnes, mostrando que Of Montreal não veio para respeitar fronteiras. A segunda faixa, o belo single It’s Different For Girls, é uma baita canção que trata de questões de gênero, com oportuna/necessária abordagem feminista, esclarecendo que instâncias da vida social, desde a infância, são diferentes/distintas/delicadas para meninas por conta de tanto preconceito lamentável da sociedade. Tudo isso num instrumental cheio de acenos ao que se chamava de Nu Disco no início dos anos 2000, lembrando um The Rapture mais largado e colorido.

Este clima animadão e com pinta de lápis de cor musical segue adiante com a interessante Gratuitous Abysses, com Barnes cantando com um sotaque que poderia ser de alguma banda de Garage Rock dos anos 60, encampada por algum desenho animado dançante da época. Nem tudo é alegria e brilhante por aqui, fato que é atestado com veemência pela canção seguinte, My Fair Lady, soturna e sussurrada, na maior parte do tempo, mas que emerge com bom refrão lá para o fim. Mais doideira, só que enguitarrada e pulante, vem na boa Les Chants de Maldoror, com pinta de campeã, que deriva numa boa levada hipnótica mais para o seu final. A Sport And A Pastime tem uma inequívoca influência eletrônica retrô, talvez resultado da tal influência anunciada da música Pop atual, mas qualquer sombra de mesmice é driblada com necessária estranheza.

O desfile de faixas mutantes e não-óbvias segue com uma boa cruza de Rock Alternativo com Eletrônica, que chega na melancólica Ambassador Bridge, que é uma ponte real, que liga Detroit, nos Estados Unidos, a Windsor, na província canadense de Ontario. A levada é tristonha e bonita, abrindo caminho para a psicodélica Def Pacts, que tem sua letra canto-falada e secundada por um instrumental intencionalmente mal arrumado e posicionado, criando boas paisagens e desaguando numa levada à la Pink Floyd safra 1968, enquanto Chaos Arppegiating, vai pelo mesmo caminho, porém pegando ainda mais pesado na largação sonora e no flerte com o caos controlado no arranjo. Nursing Slopes é mais convencional, com um andamento simples e pinta inequívoca de pop song dourada. Depois do mergulho na Eletrônica Lo-Fi que surge em Trashed Exes, o álbum chega ao fim com a síntese de Chap Pilot, que tem todas as nuances das canções anteriores convergindo para seus pouco mais de seis minutos de duração.

É sempre bom ouvir um novo trabalho de Of Montreal e constatar a boa mania de querer fazer discos diferentes dentro da ideia central do grupo, a de … ser diferente. O que sempre fica como constatação é que Kevin Barnes, o dono do grupo, poderia ser melhor compositor do que é. Aqui ele acerta a mão mesmo em uma única faixa, a ótima It’s Different For Girls. Se houve mais umas três, quatro no mesmo nível, seria uma beleza. Mas não há nada por aqui que desabone o grupo ou o disco.

(Innocence Reaches em uma música: It’s Different For Girls)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.