Resenhas

Andy Shauf – The Party

Disco do cantor e compositor canadense mistura as melhores influências do Pop

Loading

Ano: 2016
Selo: Anti
# Faixas: 10
Estilos: Folk, Chamber Folk, Dream Folk
Duração: 37:25
Nota: 4.5
Produção: Andy Shauf

Quis o tempo que minha combinação preferida de música Pop fosse formada por doses iguais de ourivesaria de FM setentista americana e lirismo Folk melódico da virada das décadas 1960/70. Artistas, bandas e álbuns produzidos nestes departamentos, nesta época e/ou procurando recriar quaisquer das características caras a eles, tem grande chance de me ganhar logo no início do debate. Foi o que aconteceu com este soberbo The Party, novo trabalho do canadense Andy Shauf. O sujeito vem de um cafundó gelado, chamado Regina, na província do Saskatechewan, no meio da imensidão invernal da América do Norte. Passou boa parte de sua adolescência aprendendo a tocar piano, guitarra, bateria, baixo, tudo de ouvido e com relativa facilidade, para, anos depois, se enfurnar no porão de casa e sair-se com uma coleção de gravações Lo-Fi que o colocaram no mapa musical da cada vez mais interessante música Pop do Canadá.

Andy pensou num pequeno conceito para o disco. Imaginou pessoas e conversas surgidas entre elas em meio a uma festa, circunstância que norteia as canções presentes em The Party. O que distingue tudo por aqui é a imensa habilidade do sujeito em ambientar estas criações exatamente no universo descrito lá no primeiro parágrafo. Há doses generosas de Pop à la Burt Bacharach e Folk melódico, digno dos melhores e mais doces momentos de Neil Young, além de ensinamentos melódicos adquiridos no estudo da cartilha The Beatles/The Beach Boys, tudo produzido meticulosamente, dando a impressão de que não havia qualquer instrumento/aparelho eletrônico por perto. A ambiência é eletroacústica, tudo tocado com economia e bom senso, além de surgirem uns acepipes de cordas aqui e ali. A voz de Andy varia de acordo com as canções, há timbres entediados e vibrantes, dependendo da ocasião, tudo poderia ser instrumental sem qualquer problema, se inserindo no hall das grandes obras Pop dos últimos, sei lá, 30 anos. Sim, isso mesmo.

Tudo por aqui soa refrescante, bem feito e cheio de um requinte sutil, mas que se transforma imediatamente em como a música Pop deveria sempre ser. Ao resgatar esta linhagem clássica de composição/gravação, Andy acaba desfilando bom gosto e senso de oportunidade típicos de quem tem horas de audição deste tipo de som. Ele é esperto o bastante pra perceber que não há necessidade de “modernizar” esta sonoridade dourada, curtindo fazê-la do seu jeito. A atemporalidade típica deste Pop anglo-americano celestial faz o trabalho de nos permitir familiaridade imediata com a proposta. Mais que isso: ao encapsular a narrativa do álbum em uma história de personagens distintos, Andy encontra o toque de contemporaneidade do qual precisa para atrair que não é aficionado pelo Pop perdido.

Não há uma única canção ruim no álbum. Algumas, porém, têm pinta de clássicos instantâneos, caso de Early To The Party, que fala, em meio a um arranjo celestial e meticuloso, sobre aquela figura que sempre chega antes da festa começar. É curioso ver algo tão trivial e bobo ser revestido com tamanha elegância musical, com pianos, cordas e tudo mais. To You também é uma belezura dourada, falando sobre a fronteira tênue e confusa que separa amizade e amor, algo que, se você está vivo/a/x, certamente já teve dificuldades para entender e aceitar. Outro destaque de beleza é o andamento de piano/teclado que conduz Begin Again, totalmente tributário de canções douradas de The Beach Boys em sua versão setentista, quando já não comportavam a inocência da praia, preferindo vê-la de longe ou imaginá-la como uma saudade acinzentada na mente.

The Party é um pequeno milagre. É disco pra ser ouvido com calma e atenção, percebendo detalhes e deixando que ele se espalhe no seu dia, algo que vai acontecer mais cedo ou mais tarde. Andy Shauf fez não só seu melhor trabalho, mas um dos grandes pequenos álbuns das últimas décadas, de uma beleza e esperteza ímpares. Recomendar com que palavras?

(The Party em uma faixa: Early To The Party)

Loading

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.