Resenhas

Metá Metá – MM3

Terceiro álbum do grupo paulistano faz Música Brasileira Global

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Ano: 2016
Selo: Independente
# Faixas: 9
Estilos: Afrobeat, Jazz Funk, Jazz Fusion
Duração: 40:34
Nota: 4.5
Produção: Kiko Dinucci

Há sempre dois lados na moeda. Se temos, em um canto do ringue, uma música brasileira cada vez mais pobre, seja pelo deserto de possibilidades estéticas “popularescas”, seja pela ação da mídia como único meio de aferir “qualidade” a “artistas” que se preocupam apenas com números (de público, de vendas, de shows por semana), oferecendo canções indescritíveis de tão ruins, por outro lado temos cada vez mais gente na direção contrária, se valendo da liberdade que a Internet oferece para gravar, se informar e divulgar seu trabalho e as múltiplas alternativas de palcos, públicos e conceitos que não passam por esta grande mídia. Ainda bem. Neste grupo seleto e bem informado de artistas surgidos neste pulsante cenário alternativo, está o Metá Metá. Sua existência e proposta são totalmente fora do óbvio, oferecendo uma variante de música inegavelmente brasileira, mas que se enxerga como participante de um cenário cultural global interligado. É como se alguém pegasse apenas os pontos bons da globalização e eliminaasse o enorme excedente nocivo. Metá Metá se dispõe a fazer algo que poderíamos chamar de música brasileira global. Seu terceiro trabalho, MM3 é a declaração desta proposta.

Formado por Jussara Marçal nos vocais, Kiko Dinucci (guitarras) e Thiago França (saxofone), o grupo tem o apoio de Marcelo Cabral (baixo) e Sergio Machado (bateria) em estúdio e dá sequência ao EP Metá Metá, lançado no ano passado, o qual servia para atualizar o acervo de canções gravadas em relação ao que a banda executava no palco. Podemos dizer que este álbum completa o EP, uma vez que as ambiências são as mesmas. A ideia é pegar a liberdade do Jazz em sua face setentista fusion, quando ele agregou elementos do Rock Psicodélico e Progressivo, mas despir essa influência de pompa, resultando em algo pé no chão, com cor e cheiro de terra, mas capaz de fazer o ouvinte/espectador voar pelos ares tamanha a força que as composições contém. E tudo soa como se existisse há muito tempo, muito antes de nós, muito antes do Brasil, parece ter ficado preservado do mal e da cobiça do século 20/21, para finalmente ressurgir.

Em 40 minutos e meio de disco, o grupo passeia por estilos e categorizações que perdem um pouco de seu sentido original a partir da reinterpretação que o grupo oferece. O canto de Jussara é sofrido, porém fortíssimo. O instrumental é enorme, pesado e cinematográfico, ora soando como caos, ora como ordem, por vezes como ambos, num paradoxo estranho e praticamente irresistível. A tensão total de Três Amigos, em câmera lenta, com viés de sofrimento do sertão é confrontada pelo Punk Étnico de Angouléme, que surge com metais anárquicos, letra encardida, bateria e guitarras em fúria total. Uma introdução lenta e contemplativa dá início a Imagem do Amor, com elementos visuais personificados pelo verso inicial “quatro bacias de barro cercavam onde iria nascer a criatura de asas, tardia, dos dias de luz”, que podem lembrar alguma variante fantástica de um livro de Guimarães Rosa. Mais adiante a mesma letra sentencia: “a imagem do amor não é pra qualquer um”.

Mano Légua tem ataque inicial quase Rock mas novamente opta por caminhar num cenário semiurbano, com ar de Velho Oeste, de duelo ao por do sol, com destaque para os climas proporcionados pelos metais e percussões, tudo muito bonito e ligado. Angolana é um pequeno milagre de aerodinâmica, com levada rápida, guitarras e saxofone parecem um só enquanto a letra vai perguntando “me diz de onde é que vem a gana de voar”, com cheiro e postura de opressão sendo enfrentada na adversidade total, quase impedindo o chamado “bom combate”. Estruturas em anda-e-para são o fio condutor para Corpo Vão, que deságua num ritmo afro-brasileiro liso e bem feito. Osanyin tem título com nome de orixá, no caso, Ossanha, o deus das folhas que curam, empacotando o ritmo cadenciado e povoado por uma guitarra fluida e metais questionadores, tudo bem bonito. Toque Certeiro tem mais fraseados derivados de interseções afro-brasileiras velhas como o próprio tempo, com pinta de ritmo nordestino não-identificado por conter quase todos ao mesmo tempo. Oba Koso, uma cantiga de candomblé reimaginada pelo grupo num formato de quase free Jazz fecha o disco com mais climas do por do sol, sob a cidade, sob os passantes que vão sem saber para onde.

O novo álbum de Metá Metá oferece uma variedade impressionante de climas e nuances, tudo muito sutil e forte, paradoxalmente. É música profunda, criativa, brasileira até a medula. Ouça, prestigie, não deixe de ver uma apresentações dos caras, nas quais, segundo diz o velho ditado, o bicho pega pra valer. Belo trabalho.

(MM3 em uma música: Angolana)

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BOM PARA QUEM OUVE: Elza Soares, Nação Zumbi, Bixiga 70
ARTISTA: Metá Metá

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.