Resenhas

Night Moves – Pennied Days

Novo álbum da banda americana é pequena joia Pop

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Ano: 2016
Selo: Domino
# Faixas: 9
Estilos: Lo-Fi, Rock Alternativo, Pop Alternativo
Duração: 39:21
Nota: 4.0
Produção: John Agnello

Tive uma namorada muito querida que era pródiga em boas frases. Uma vez, ela me acompanhou até a finada loja de discos carioca Modern Sound e, ao ver a capa de um CD que eu queria muito – ela se interessava por desenho, artes, pintura – sentenciou: poxa, eu queria morar neste disco. A avaliação era prematura, é claro, mas o conteúdo e a arte do encarte corroboraram sua impressão. O álbum, Circo Beat, do cantautor argentino Fito Paez, nada tem a ver com Pennied Days, o segundo trabalho do grupo americano Night Moves, mas as primeiras audições me fizeram sentir mais ou menos o mesmo: queria morar neste álbum, em meio a estas canções. Nem é pelo fato de serem bem feitas, Pop até os ossos e dotadas de muita inteligência, mas muito pela sensação de conforto que elas despertaram num ouvinte de música mais, digamos, calejado neste ofício de analisar música. Depois de algum tempo a gente se cansa de buscar o novo, a revolução, a arte pela arte e o desejo que mais aparece na nossa mente é o de encontrar conforto – emocional, material, espiritual, ou, quem sabe – musical. E este álbum é um primor no oferecimento de conforto de todas as sortes. Night Moves é de Minneapolis, no Meio Oeste americano, uma região que, como o referencial geográfico entrega, não é nem carne e nem peixe, nem barro e nem tijolo, mas tem tradição em oferecer bons nomes em campos diversos da música pop, de Prince ao combo Punk The Replacements.

A receita por aqui é simples e dificílima de alcançar: fazer um álbum Pop com referências que se espalham desde o som das FMs setentistas americanas, chegando até o que ouvimos hoje. Parece fácil, certo? Misturar referências de bandas do passado como The Carpenters e The Beach Boys com a sonoridade de gente moderninha como Phoenix e MGMT, ora, é moleza. Não, crianças, está bem longe disso. E os sujeitos conseguem exatamente encontrar o ponto perfeito entre a modernidade informal de hoje e o classicismo de outrora. O resultado é uma sequência de nove canções próximas da perfeição, algo que surge sem qualquer previsibilidade de refrãos ou arranjos banais, mas conseguidas no peito e na raça, no talento, na malandragem de quem, como dizia o profeta, entende dos paranauês.

Vamos direto à obra prima do álbum, a sexta faixa, Hiding In The Melody, que exibe mais de sete minutos de duração. Posso dizer que não há um único segundo desnecessário em sua arquitetura, pelo contrário. Há um desfile de harmonia e melodia que fariam orgulho nos grandes mestres da composição Pop de todos os tempos. O arranjo é emocional, há guitarras por toda parte, vocais em perfeita consonância, andamento em midtempo, teclados compondo o cenário e a voz do guitarrista/vocalista John Pelant derramando emoção pelos quatro cantos das caixas de som. Mas esta não é a única joia neste diadema, há muito mais. A abertura com a adorável Carl Sagan escancara o referencial espaço-tempo homenageando o criador da série Cosmos e se veste de Pop Soul dourado para desfilar numa parada de sucessos imaginária, porém verdadeira ao mesmo tempo. Denise, Don’t Wanna See You Cry é canção com nome de mulher, uma arte em extinção que é dominada por cada vez menos gente, infelizmente. Pop perfeito com tecladinhos ambientes e refrão com gosto de lanche na casa da avó.

Leave Your Light On e Border On Border se valem da utilização de algum DNA Folk Rock não perceptível logo de cara, mas que está presente sob o arranjo totalmente Powerpop que se ergue, com ênfase nas guitarras doces, mas que têm certo peso e, no caso da segunda, um adorável piano que conduz as seis cordas em busca da harmonia dos refrãos e vocais. Kind Luck também vai neste caminho, com detalhes tão pequenos de nós todos, seja no adorável violão que inicia a canção, seja no vocal derramado de Pelant, seja no instrumental que se instaura e conduz posteriormente a canção pelos caminhos sempre visitados, nunca igualados da Alameda Pop. Staurolite Stroll tem essa mesma vibração setentista, mas poderia ser uma gravação de bandas como My Morning Jacket, caso estas abraçassem afetuosa e deslavadamente este popão clássico. Alabama, com nome de estado americano do sul do país, mais parece uma canção da mitológica Big Star, elogio que, acreditem, não costumo fazer com frequência. O encerramento sentimental e derramado vem com a afetuosa Only To Live In Your Memories, toda coração, espalhando-se em busca de carinho e aconchego.

Pennied Days é um álbum tão bom e bem intencionado que chega a nos trazer alguma desconfiança. É como se aquela menina bonitinha, para quem olhamos durante todo o ano, finalmente nos desse bola e a gente precisasse se beliscar um pouco para acreditar. Beleza de disco, audição mais do que recomendada para quem quer acreditar que tudo termina bem no fim, algo que estamos precisando como nunca em dias como os atuais.

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BOM PARA QUEM OUVE: Phoenix, MGMT, Girls
ARTISTA: Night Moves

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.