Resenhas

Joanna Newsom – Divers

Cantora e compositora americana faz seu trabalho mais interessante

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Ano: 2015
Selo: Drag City
# Faixas: 11
Estilos: Dream Pop, Experimental, Pop Alternativo
Duração: 51:53
Nota: 3.5
Produção: Joanna Newsom

Há uma diferença crucial entre amar alguém e amar o fato de estar amando. É sutil, vocês percebem? Podemos passar a vida inteira à procura de uma pessoa para dividir tudo o que temos, nunca encontrá-la e, ainda assim, não sermos tão tristes como pode parecer. O que nos motiva é a jornada. A sorte grande é quando essa busca tem êxito, achamos este alguém e o mundo, subitamente, passa a fazer todo o sentido. Essa sensação de plenitude total, de encontrar seu amor nesse mundo tão esquisito é a razão da existência do quarto álbum da cantora e compositora americana Joanna Newsom. Seu casamento com o comediante Andy Samberg está por toda parte em Divers, mas de uma forma não aparente, uma vez que não podemos classificar nenhuma das onze faixas do álbum como sendo uma “canção de amor” óbvia. Joanna vai além. Muito além.

Se você não conhece o trabalho da moça, saiba que ela é harpista com formação clássica, discípula da sonoridade Terra Média de Kate Bush e Björk, além de não enxergar obviedade na música Pop. Dito isso, Joanna conseguiu aqui extirpar os excessos de seus trabalhos anteriores, que se perdiam na grandiloquência e na dificuldade de sintetizar suas influências num formato razoavelmente viável. Entre toques de Joni Mitchel, Pop barroco, extravagâncias instrumentais, psicodelia colorida, música clássica dos séculos 17 e 18, além de sua própria assinatura autoral, a obra de Newsom nunca foi fácil. Até agora. Divers tem conceito, começo, meio, fim e uma inédita – em termos de Joanna Newsom – capacidade de síntese, sem abrir mão de nada ao longo do caminho. É um disco feito para seu estado de espírito de mulher apaixonada pelo marido, amando estar com o coração tranquilo, temendo por ter encontrado seu amado e perceber que, mesmo assim, como tudo na vida, ele pode desaparecer sem que ela tenha qualquer capacidade de evitar.

Para expressar essa condição, Joanna se vale de seu approach barroco-psicodélico para levar o ouvinte por um roteiro de viagem inusitado, no qual ela não toma conhecimento da linearidade do tempo, ou seja, você pode sair do século 18 e cair numa canção de realejo de feira no interior da Inglaterra vitoriana, embarcar no Nautilus do Capitão Nemo, desembocando, em seguida, na melodia de um carrossel girando numa praça de Nova Jersey pra cair numa sobra de gravação deletada dos Beatles em 1966/67 sem que se perca a coerência. O idioma Pop tradicional, no qual baixo, bateria, guitarras e teclados fornecem a base de sustentação, não se aplica por aqui. O primeiro single, Sapokanikan, é um exemplo de como uma melodia, que poderia pertencer ao imaginário da California psicodélica sessentista, é levado a passear num jardim de delícias coloridas conduzidas por um piano de caixa de música e vocais de fadinha. Leaving The City, logo em seguida, é o máximo de concessão que Joanna faz ao terreno das canções mais tradicionais, mas suas vocalizações e o arranjo (composto por ela) contrariam qualquer sinal de normalidade e/ou linearidade.

A faixa-título chega lá pelo meio do álbum, introduzida por notas sutis executadas num cravo, com vocais que parecem vir do alto dos Apalaches e instrumental de sonho para metaforizar sobre a figura de alguém que mergulha no mar profundo em busca de tesouros como espelho de quem procura o amor pela vida toda. Faz sentido. Same Old Man segue pelo mesmo caminho, com linha de piano/cravo/teclados lembrando algo da banda de Rock Progressivo inglesa Renaissance, mas sem resvalar para a cópia, restando a semelhança apenas na apropriação de referências clássicas. You Will Not Take My Heart Alone é bela, plácida mas passa distante do óbvio, flutuando por nuvens renascentistas coloridas, mas puxada para o chão com o belo refrão. A Pin-Light Bent é a única canção com alguma ressonância mais entristecida, não por acaso, uma das mais belas do álbum, abrindo caminho para a grandiosa reflexão sobre o tempo que é Time, As A Symptom, com melodia em tom crescente e vocais impressionantes, numa progressão que vai agregando ruídos da natureza e aumentando a intensidade até a apoteose total.

Com foco e coração em ordem, Joanna deu com Divers um passo decisivo em sua carreira, caminhando em direção a uma música mais acessível e polida sem abrir mão de suas características marcantes, convidando o ouvinte para um passeio muito além do jardim das obviedades.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.