Resenhas

David Gilmour – Rattle That Lock

Novo disco mistura tons “floydianos” com acenos à modernidade

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Ano: 2015
Selo: Columbia/Sony
# Faixas: 10
Estilos: Rock Progressivo, Rock, Rock Psicodélico
Duração: 51:25
Nota: 4.0
Produção: David Gilmour e Phil Manzanera

Lançamento de disco de David Gilmour não acontece todo ano, portanto, é melhor prestarmos atenção no que o velho e bom guitarrista e cantor de Pink Floyd tem para nos dizer. Sabemos que ele é dono de uma marca registrada, tanto na voz, quanto no manejo das seis cordas, algo raro de se conseguir num universo tão visitado e banalizado como o da música popular planetária neste início de século 21. Mais ainda: Gilmour é um dos poucos que atravessaram a fronteira da mera influência e continuam produtivos e relevantes, mesmo que saibamos que um disco seu não conterá a chave para o entendimento do aquecimento global ou discutirá sobre a crise do capitalismo mas temos certeza que ouviremos um trabalho bem feito, bem tocado, com relevância na medida para justificar o empreendimento, seja de tempo, seja de comprar o CD. Sim, porque, um álbum de David Gilmour merece mais que um espaço no seu HD ou inclusão na sua playlist. Lembre-se, ainda sentiremos falta do tempo em que a aquisição era possível, daqui a pouco tudo será mais ou menos existente, até nós, mas isso é uma outra viagem.

Dadas as circunstâncias, Rattle That Lock é um discreto afago que Gilmour faz na modernidade, sem se envolver muito. Ele nem teria motivos para isso, gosta de levar sua vida no conforto de seu barco-estúdio Astoria, gravando esparsamente, aparecendo em álbuns de amigos e recebendo outros tantos, como o ex-Roxy Music Phil Manzanera, figura-chave nesse álbum e no anterior, On A Island. Este novo trabalho, ao contrário do último, é mais enxuto, com Gilmour dosando bem suas canções mais lentas com momentos inusitados, colocados com parcimônia ao longo do disco, capazes de fazer o ouvinte sorrir para o nada. O elemento dominante, no entanto, é a soberba guitarra do homem, cada vez melhor, ainda capaz de tirar faíscas do equipamento de som, fluida, incandescente, sempre com elegância e em solos que não chegam a cansar, pelo contrário.

É nas sutilezas, no entanto, que está o (grande) charme do álbum. A primeira canção, 5 A.M, toda instrumental, é um cartão de boas vindas, na base do: “beleza, entra aqui que eu vou te contar umas coisinhas”. A guitarra inequívoca está lá, o andamento lento e próximo de uma forma peculiar de Blues, além de um belo arranjo de cordas, lembram qualquer dos discos de Pink Floyd como trio, claro. A faixa-título, logo depois, dá um susto no ouvinte, pois mergulha fundo na conexão Bryan Ferry/David Bowie de Pop oitentista, com chacunduns, teclados econômicos e baixo/bateria tinindo, tudo amarrado pela voz rouca e suportada por bem acabados vocais de apoio. Faces Of Stone é outra prima próxima de canções floydianas recentes, com belo piano climático e instrumental característico logo à frente, porém, em meio ao concreto e à argamassa musicais, há alguns floreios psicodélicos muito sutis, que dão um belo tom de diferença. A Boat Lies Waiting é outra baladaça ao piano e com o timbre de baleia jubarte que Gilmour consegue tirar das suas seis cordas, toda cantada com vocais dobrados, bem bonita, com cara de alguém que chega no topo da montanha e olha lá para baixo, lembrando da família de dos desafios enfrentados. Previsível, mas bonita pacas.

Uma surpreendente citação a Michelle, canção de The Beatles safra 1965, surge permeando a brejeira Dancing Right In Front Of Me, com crocâncias e cremosidades mil, vindas de todas as direções, seja no andamento de valsa, seja na boa performance vocal ou no importantíssimo trabalho de contrabaixo que Manzanera empreende. In Any Tongue é outra canção floydiana competente, abrindo caminho para a arrepiante beleza instrumental de Beauty (trocadilho não intencional), que evoca climas plácidos semelhantes ao de Shine On You Crazy Diamond (de Pink Floyd, safra 1975) apenas como referência estética, mergulhando em outra região do mesmo mar, com gentileza, elegância e mais timbre de baleia na guitarra. A maior surpreesa do álbum vem com The Girl In Yellow Dress, uma canção em arranjo de Jazz acústico, com baixo de pau, piano e levada dolente, coisa mui linda de se ouvir. O encerramento chega com duas boas interpretações. Today tem introdução de coral infantil não-brega, mas que deságua uma típica canção bowieana safra Scary Monsters, incorporando elementos de Funk, no sentido Talking Heads do termo, enquanto And Then… traz as coisas com segurança para casa, com eficiência e propriedade.

David Gilmour mostra novamente que é um sujeito confiável em termos de manter sua importância histórica para o Rock sob controle e, com isso, não abdicar da novidade e presentear os fãs com bons álbuns, confortáveis, aprazíveis e capazes de encantar até novos convertidos ao seu modelo de canção e de manuseio com a guitarra. Sorte de quem o verá ao vivo em breve, em sua primeira visita ao Brasil.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.