Resenhas

Dr. Dre – Compton

Terceiro disco de um dos maiores rappers da história faz jus às suas origens

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Ano: 2015
Selo: Interscope, Aftermath
# Faixas: 16
Estilos: Hip Hip
Duração: 61:40
Nota: 4.5
Produção: Dr. Dre, Best Kept, Secret Bink, BMB SpaceKid, Cardiak, Choc, Curt Chambers, DJ Dahi, Dem Jointz

É curioso pensar que, para uma geração jovem de ouvintes, o nome de Dr. Dre simbolize um produto e suas características sonoras ao invés de sua música. Talvez isso ocorra por simplesmente o seus fones, Beats, serem um dos acessórios musicais mais vendidos do mundo – figurando nos ouvidos de esportistas a rappers. No entanto, se o business por trás do Hip Hop não seria o mesmo sem Dre, podemos afirmar que a música também não seria. Compton é o terceiro e talvez último disco da carreira do rapper, além de um dos melhores lançamentos do estilo no ano, fazendo jus à história de seu ator.

Para quem não conhece Dr. Dre, podemos resumi-lo como um dos pioneros do West Coast G-Funk, estilo particular do Hip Hop do Oeste dos EUA caracterizado pelas suas bases em sintetizadores e batidas lentas e pesadas. Ele fazia parte do grupo de Rap N.W.A. junto a Ice Cube, Eazy-E, MC Ren e DJ Yella, narrativa que está sendo contada nos cinemas em Straight Outta Compton (filme que chega ao Brasil em outubro). Seu nome se liga ainda mais à história da música quando visto sob a ótica de produtor – pelas suas mãos, passaram nomes como Eminem, 50 cent, Xzbit, Kendrick Lamar e Snoop Dogg, entre outros. Parceiras com o amigo Tupac Shakur também fazem parte de seu histórico, assim como a esparsa e pontual carreira solo. No entanto, seus dois únicos lançamentos, The Chronic (1992) e 2001 (1999), são clássicos marcantes na música mundial, logo, o hiato de 16 anos sem um lançamento se deve a um fator: expectativas.

Dre poderia ter entrado em tal armadilha caso Detox, o seu Chinese Democracy, tivesse saído. Ou não, dado que o projeto foi cancelado após inúmeros anos de gravação e nunca saberemos. Entretanto, a única prova concreta do que poderia vir ocorreu com o single I Need A Doctor, faixa com participações de Eminem e Skyler Grey com um clipe quase promocional de marcas como HP e Beats. A faixa força a barra para um retorno triunfal do rapper, algo que não ocorreu, dado o aspecto descartável da composição. Talvez esse momento o tenha feito abrir os olhos para pensar quais outras maneiras poderiam ser encontradas para “terminar” sua música. Quem ganhou com isso fomos nós.

Compton foi gravado em 2015 e teve sua inspiração no filme no qual Dre conta a sua história – por isso o subtítulo de “soundtrack” em seu encarte. Extenso, estrelado com participações ímpares de outros rappers – algumas acima da média em relação às suas discografias – e algumas das batidas mais incríveis do ano, o disco impressiona do começo ao fim. Ironicamente, é o trabalho menos cinematográfico de sua carreira. Se 2001 contava uma história que se seguia ao longo de suas faixas, Compton parece mais a união de diversos microcosmos, contos e crônicas da vida do rapper e seus companheiros.

Pesado e “gangueiro” como deveria ser, o álbum conta histórias através das batidas, como em Just Another Day – faixa que nos faz retornar à década de 1990 com sua fluidez de rimas acompanhada pelos hipnóticos loops de beats e ainda com The Game retornando ao seu auge. Em alguns momentos, as histórias trazem atalhos e mudam seu rumo no meio: Medicine Man é agressiva e coloca Dre como um observador oculto das mudanças que o mundo teve desde seu primeiro lançamento. Em sua metade, o clima muda totalmente e se torna ainda mais raivoso com a participação de Eminem com rimas e um instrumental melhor que seu último disco inteiro.

Ao longo de 16 músicas, o clima é sempre o mesmo que se encontra em suas obras anteriores e parece sempre colocar o ouvinte nos olhos dos seus rappers. Eles contam do mundo racista e da vida violenta dos guetos (como da famosa cidade do título), assim como o cotidiano de de uma vida marcada com um alvo costas. All In A Days (com ótima participação de Anderson Paak), Loose Cannons com Xzbit e One Shot One Kill com Snoop Dog são registros amplos do gueto e podem ser compreendidos nos olhos de periferias latinas, africanas e asiáticas. As faixas são aprecidas e sentidas nos mínimos detalhes de uma instrumentação ao vivo que aumenta a amplitude sonora de cada um.

Se essas faixas são visões do passado trazidas ao presente, algumas composições mostram-se na vanguarda do estilo, como Deep Water com Kendrick Lamar (hit certeiro concentrado nas linhas de baixo que dominam uma sala cheia de fumaça), Darkside Gone (faixa que tem diversas variações inesperadas e diversos subcontos escondidos) e a grande balada de todo o disco, For the Love of Money, que tem toda a capacidade de se tornar um hino no Hip Hop em 2015. Independente da atmosfera de conto, o disco é Gangsta como o termo que caracteriza o Rap “casca grossa” de verdade pede para ser.

Ver alguns parceiros brilhando, como Kendrick em Genocide – certamente um dos melhores momentos de toda a sua carreira, seguindo as novas estéticas de voz encontrada em To Pimp a Butterfly e de longe a melhor batida do disco – ou Snoop Dogg em Satisfiction, devem fazer Dre pensar que a espera para seu disco sair valeu a pena: nenhum deles rima só pelo convite, mas pela história envolvida. Uma dezena de produtores jovens envolvidos fazem com que o disco tenha momentos de respiro entre cada faixa, ao mesmo tempo em que não se sente uma estranheza nas transições – apesar de não termos uma narrativa contínua, todos pertecem ao ecossistema de Compton.

Para acabar com chave de ouro, Talking To My Diary, coloca o rapper sozinho para revisar sua história sendo escrita ao vivo. As batidas classudas e atmosfera saudosista deixam a faixa como a deixa ideal para encerrar o que pode ser o último disco de Dre. Surpreendentemente, o ouvinte termina mais de uma hora de música sem perceber a passagem do tempo e sem náuseas. Logo, o álbum acaba sendo um deleite para os fãs de Hip Hop ao mostrar-se verdadeiro às origens de um dos maiores símbolos do estilo. Se o trabalho não chega a ser perfeito, isso acontece pela elevação do estilo a outros patamares por parte de um dos pupilos de Dr. Dre, Kendrick Lamar. Mas, tudo bem, pois não existe abaixo dele por enquanto nenhum trabalho no ano que traga tanta energia e qualidade quanto Compton.

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BOM PARA QUEM OUVE: Snoop Dogg, Tupac, Kendrick Lamar
ARTISTA: Dr. Dre
MARCADORES: Hip Hop, Ouça

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.