Uma das qualidades mais interessantes de se observar num artista em maturação é sua capacidade de absorver as características vindas de todas as etapas pelas quais já passou e transformá-las gradativamente em uma nova linguagem pessoal, um estilo cheio de referências e reverências históricas, todavia, inédito.
De fato, Chelsea Wolfe sempre transitou por uma série de gêneros diferentes, não necessariamente correlatos, – do Noise Rock experimental de The Grime and Glow ao Folk soturno de Unknown Rooms, por exemplo – mas que acabavam se equalizando no aspecto sombrio da artista. Abyss, quinto álbum da compositora, parece a manifestação macrocósmica dessa prática de Wolfe. Nele, todos os estilos e fases já experimentados pela artista parecem convergir para um gênero plural e obscuro.
Outra coisa legal de se observar é que temos neste novo trabalho Wolfe finalmente assumindo sem tantos receios sua faceta “metaleira”. O Metal (em algumas de suas subvertentes), que sempre foi a influência mais óbvia de Wolfe, responsável pelo ar soturno e pela estética gótica adotada pela artista, embora sempre presente, acabou, até agora, sendo deixado como um estilo secundário na obra da mesma. Abyss, faz esse mea culpa com elegância e finalmente traz esse tempero, sem ficar restrito a seus estereótipos.
Quando observamos que John Congleton e o selo Sargent House são os responsáveis pela produção deste trabalho, a variedade idiossincrática de Abyss faz muito sentido. Temos aqui a mesma bruma espessa e a catarse explosiva de trabalhos instrumentais como Swans, Explosions in the Sky e também do Death Metal de Deafheaven.
Abyss, como era de se esperar, é um álbum sombrio e pesado, oferecendo uma tarefa bastante laboriosa e cansativa para seus ouvintes. Seu tema é a paralisia do sono, um fenômeno angustiante associado com sensação de pânico e pesadelos. O tema, como era de se esperar, traz consigo alguns clichês góticos (entre capas, títulos e letras), mas nenhum deles, felizmente, consegue macular a criatividade sonora de Wolfe.
Unindo com precisão cirúrgica a beleza melodiosa do Folk e as batidas frias do Krautrock Eletrônico Industrial, Wolfe traz um caldeirão sonoro espesso, e transforma a massa lamacenta da angústia em expressão sonora, num espectro (surpreendentemente amplo) que dá conta do tema em muitas variantes interessantes. Um dos trabalhos mais maduros da artista, sem dúvida, e quase iluminado, não fosse o trocadilho uma ofensa para o rótulo gótico da compositora.