Resenhas

Miguel – Wildheart

Terceiro disco do cantor agrada ao trazer elementos contemporâneos de música negra

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Ano: 2015
Selo: ByStorm, RCA
# Faixas: 13
Estilos: PBR&B, R&B
Duração: 46:25
Nota: 4.0
Produção: Miguel, Benny Cassette, DJ Premier, Fisticuffs, Cashmere Cat, Benny Blanco

É notável como o caráter social da música negra se perdeu dentro do mainstream nos últimos anos e que essa característica tão importante e ímpar está retornando com grande força desde o fim de 2014. Para chegar nesse estágio, poderíamos criar uma linha do tempo que começa em Channel Orange (original e modelador disco de Frank Ocean), passa por Yezzus (autocentrado, egocêntrico e excelente disco de Kanye West) e se distorce a partir de Black Messiah (direto e orgânico disco de D’Angelo). Enquanto cada ponto focal se mostra importante dentro da música negra como um todo, dadas as mudanças que ocorreram a partir de cada estrondoso sucesso dessa obras, foi a partir de Black Messiah que a ficha caiu com a pergunta: Por que fazemos música?

Em face aos crescentes e por ventura “esquecidos” conflitos raciais notórios nos EUA, sentidos nas mais diferentes formas mundo afora, o disco do seminal cantor de R&B colocava essa pauta como seu assunto principal. Saíam os conflitos privados para entrarmos no público, saíam, pelo menos das obras de sucesso, os temas de riqueza, ostentação e massagens ao ego para se colocar o dedo na ferida. Kendrick Lamar fez o seu protesto no riquíssimo To Pimp a Butterfly, mudando a cara do Hip Hop como conhecemos e esperamos. As formas como esses protestos surgiram que surpreenderam: são relatos experimentais musicais de tempos ajustados a bpms e composições computadorizadas. Trouxeram de volta o que parecia perdido na música negra como um todo: a entrega e o suor. Wildheart, terceiro disco de Miguel, sabe explorar as nuances que abraçam esse período recente e traz menos obviedade ao R&B.

Se Kaleidoscope (2012) foi um dos discos mais deliciosos do estilo por saber dosá-lo com Pop e trazê-lo de volta às grandes paradas de sucesso, Wildheart se retira dos conceitos de samples e da produção meticulosa para se tornar orgânico, sincero e expressivo. Os conflitos raciais não são preponderantes aqui e aparecem de forma misteriosa na linda what’s normal Anyway?, faixa em que o cantor se coloca perdido no mundo diante de suas origens africanas e latinas. É uma analogia à dualidade que parece acometer o mundo em tempos de Facebook, em que se polarizam vilões e herois sem saber o que é realmente certo ou errado. A forma como a música flui merece destaque na obra como um todo e talvez seja o único protesto de um disco que passa constantemente a imagem de frescor.

Ao mesmo tempo, a sensação de estarmos diante de composições feitas por uma banda ao invés de um computador fazem do disco um circuito muito bem estruturado dentro do R&B – sentimos cadência, uma menor urgência em ser Pop, e também o ritmo constante do que Miguel quer criar aqui. Pontos de tangência com outros estilos mostram que o R&B reverbera por aí sem sabermos, e o cantor mostra isso de forma excêntrica, sem recorrer a propostas óbvias. Hollywood Dreams poderia muito bem estar dentro de um disco de Father John Misty, enquanto Coffee é a grande canção de amor de 2015 sem desejar sê-la.

Algumas faixas merecem nossa atenção, como a suingada e dançante DEAL ou a viciante …going to hell dona de um dos melhores riffs e bases do estilo nos últimos anos. Por fim, Wildheart foge de escolhas certeiras do R&B e agrada justamente por isso – o disco viaja na cabeça do ouvinte e traz muita música orgânica às composições do cantor. Sua voz permanece como uma das mais expressivas na música negra e o disco representa bastante o atual estágio do gênero como um todo. Talvez, se tivesse sido lançado há sete meses, chamasse ainda mais atenção, mas, mesmo assim, agrada por seguir conceitos interessantes que dão novos ares a esse tipo de música que visa o mainstream. Obra para ouvir acompanhado, nem que seja somente pelo seus pensamentos.

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BOM PARA QUEM OUVE: BANKS, How To Dress Well, The Weeknd
ARTISTA: Miguel
MARCADORES: PBR&B, R&B

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.