Há uma boa chance de Sound & Colour liderar as listas de melhores álbuns de 2015. Tudo nele é equilibrado, bem feito, bem tocado, bem produzido e feito com tanto esmero que dá gosto não só de ouvir, mas de pensar no processo de concepção e gravação das canções. É um álbum cheio de referências a um passado suspenso no ar; um tempo – que me pergunto se realmente existe/existiu – no qual habitam mitos do Rock, do Soul, do Blues, todos em harmonia, vivendo juntos e se influenciando mútua e constantemente, num efeito constante de causa de consequência. Talvez isso seja apenas uma espécie de Shangri-lá musical para o sujeito na meia idade, mas o que importa aqui é a capacidade do grupo de Athens, Alabama, em elevar tais sonoridades originais a um patamar de “maiores que a vida”. É tudo enorme, amplo e aberto por aqui. Respeitem Alabama Shakes.
Há inspirações raríssimas hoje em dia. A própria cantora Brittany Howard – cada vez mais estrela em meio ao grupo – admite uma busca meticulosa em canções setentistas de gente como The Temptations, Gil Scott-Heron – representantes da mutação setentista da Soul Music em Funk – além do produtor e maestro americano David Axelrod, nomes que se distanciam da mesmice mal informada da produção atual e nos fazem ter respeito pelo que Howard e seus amigos possam ter criado. Na chefia do estúdio – do prestimoso Sound Emporium, em Nashville – está o jovem Blake Mills, guitarrista extraordinário e colaborador de um leque de artistas que vai de Norah Jones e Fiona Apple a Sky Ferreira. A interação dele com o guitarrista Heath Fogg é traduzida nessa sonoridade maior que a vida, enorme, gigante, o grande diferencial do álbum.
Quando nossos ouvidos pousam em uma canção como Gimme All Your Love, não há como não segurar o espanto. A química entre silêncio e som, dor e calma, esporro e cadência é tão bem feita e lindamente posicionada que é inevitável perguntar o porquê da música Pop mundial não ser capaz de produzir tal artefato numa proporção maior. O resultado vocal que Brittany alcança a coloca como postulante natural a uma posição de destaque na galeria das grandes vocalistas da música Popular. Como se não bastasse isso, todo o arcabouço musical, mestiço de Soul e Rock, de Blues e Pop, centralizado na troca de andamento, no chacundum de guitarras, na presença do órgão, tudo fazendo sentido e se retroalimentando. Coisa séria, gente. Não é o único momento iluminado e abençoado do álbum, mas certamente é aquele que sintetiza melhor a proposta do grupo, a de se aconchegar nesse lugar mitológico/musical do qual falei mais acima. Poucos grupos querem isso, menos ainda são aqueles capazes de conseguir.
Engana-se quem pensa que Alabama Shakes é uma banda que faz música nostálgica. A impressão que temos é que, se os estilos mais clássicos fossem criados hoje, há dez anos, eles seriam exatamente como o som produzido pelo grupo. A faixa título, linda e pungente; o Blues com tinturas Soul de Dunes; a tristeza Soul urbana setentista repensada de Guess Who; a câmera lenta de Gemini; até o Hardcore fora de hora em The Greatest, todo o disco oferece exemplos dessa estética espontânea, lá e cá, ontem/hoje. E tudo é muito bonito.
Boys & Girls, estreia do grupo em 2012, já era um belíssimo álbum. Perto de Sound & Colour, senhoras e senhores, ele praticamente desaparece. Abram seus corações.