Resenhas

Qinho – Ímpar

Músico carioca escreve certo por linhas tortas em obra narrativa e envolvente

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Ano: 2015
Selo: Independente
# Faixas: 12
Estilos: MPB, Pós-MPB, Indie
Duração: 27:40
Nota: 4.0
Produção: Qinho
SoundCloud: /tracks/193918531

Números ímpares nem sempre fecham a conta direito – sempre resta algo ou necessita-se de vírgulas. O mundo se organiza melhor em pares, daí ninguém querer ficar sozinho. Ao mesmo tempo, o termo “ímpar” significa algo único, que não tem igual, daí quase todos os números primos serem ímpares (não há quem os divida – estão sempre inteiros, porém sós).

Em 2015, o músico e produtor carioca Qinho lançou seu Ímpar talvez mais dentro da primeira explicação do que daquilo que é único. Não que o disco não tenha originalidade suficiente para se destacar como tal, mas porque as músicas chegam construídas em dissonâncias, estruturas fragmentadas e métricas desafiadas. Ao invés de arredondar pra cima ou pra baixo, ele orquestra as vírgulas e frações dos resultados e entrega um dos trabalhos mais interessantes desse primeiro trimestre.

Seu aspecto narrativo é explícito desde a abertura, com sua esposa Clara Maria recitando Lima Barreto antes de começar O Peso do Meu Coração, composição de Castello Branco e Tomás Tróia. A sensibilidade plural da faixa é uma falsa indicação do clima do disco, que logo entra em outros ares com Mundo Marlboro, de outro compositor carioca, Botika. Ambas as faixas são ótimas, no mínimo. A partir daí, o álbum começa a ganhar as caras próprias de Qinho com sua Sweet Trouble – talvez a mais fraca, e única em inglês, de toda obra. Mas ainda é só o começo.

Esse caminho torto começa a partir daí a ficar cada vez mais interessante. Mais do que isso, ele envolve o ouvinte como alguém que finalmente conquistou intimidade e confiança suficiente pra mostrar seu melhor lado. Multidão de Ninguém (uma figura de linguagem, bem, ímpar) dá o tom nostálgico e romântico que as melhores músicas de Ímpar possuem, como Pode Querer e Sabotagem (a última pérola antes do fim). São músicas carismáticas e malemolentes, daquelas que embalam toda a alma em um profundo mergulho nos teclados e guitarras ora sensíveis, ora sacanas.

É um disco com luzes neon e cheiro doce, que sabe ser atemporal nas referências antigas e verniz contemporâneo, o tipo de obra que você vai querer ouvir por muito tempo ainda, alicerçada em algumas faixas excelentes e com algumas vinhetas que dão liga para sustentar a audição.

E faz lembrar que o ímpar é bom quando significa a inclusão de um terceiro (um filho) na vida de um casal (que nada mais é do que um par), algo que amplia seu próprio significado. Fossem ímpares ruins, sete não seria o número da perfeição. Ironicamente, Qinho fez uma obra que não poderá ser ouvida apenas uma vez.

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ARTISTA: Qinho
MARCADORES: Indie, MPB, Ouça, Pós-MPB

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.