A imprensa estrangeira diz que o novo álbum de Matthew E.White é cheio de referências, indo de Tropicália ao Soul da gravadora Stax, passando por Jazz e Funk no meio do caminho. Não sei o que esse pessoal anda consumindo antes de formular suas opiniões sobre as obras que analisam, mas posso garantir que nada desses estilos está presente em Fresh Blood e isso é razoavelmente bom. É impossível – e indesejável – que um artista navegue por águas tão distintas em termos de vertentes musicais, tampouco é necessário que suas canções oscilem tanto, começando como se fosse um Chico Buarque gringo (comparação também feita em relação ao trabalho de White) e encerrando como se baixasse o registro vocal e o fervor interpretativo de um Reverendo Al Green. Nada disso, senhoras e senhores.
Matthew é nativo de Richmond, Virginia e está em seu segundo álbum. O primeiro, Big Inner, de 2012, também recebeu esta mesma análise estrambólica, o que compromete a curtição dos momentos interessantes que este e o novíssimo Flesh And Blood possuem. O que White faz é uma elegante forma de Pop, com referências mais em The Beach Boys em fase setentista e em nuances de gente como Harry Nilsson ou mesmo Randy Newman, mostrando que tem bom gosto e boas influências mas que não tem intenção de tornar sua música tão potente quanto um pacote de Ki-Suco diluído num galão de 10 litros d’água. Felizmente, isto não acontece e algumas canções conseguem demonstrar predicados em quantidade suficiente para valer uma aposta no futuro do sujeito. A abertura Take Care Of My Baby é um bom exemplo de influências bem equacionadas e colocadas a favor de uma certa estética que pode ser totalmente pessoal. O piano e a guitarra são tímidos, os vocais são dobrados e há uma certa cadência de canção realmente do início dos anos 1970, com arranjos de cordas e metais, elegante e exuberante.
A sequência com Rock’n’Roll Is Cold já surge como a negação do pequeno milagre que é a primeira, com uma levada de bateria eletrônica, melodia frouxa e arranjo intencionalmente econômico e beirando o kitsch, numa manobra que já ficou manjada e produz irritação em quem se espanta com a trama musical da canção anterior. Fruit Tree também decepciona, com uma solenidade forçada, ainda que haja um retorno aos arranjos e à proposta de soar como um artesão Pop de outra época. Holy Moly escorrega na mesma casca de banana, a de não se assumir como um cantor/compositor linear e mergulhar uma melodia promissora na solução fácil das apoteoses instrumentais e vocais caóticas de prancheta. Circle Round The Sun retoma o caminho apresentado no início do álbum, mesmo que seja apenas uma clássica criação para voz e piano, com acompanhamento mínimo de bateria e baixo, num clima levemente celebratório e com acentos da tradição das baladas do Sul dos Estados Unidos. O clima permanece na excelência de Feeling Good Is Good Enough, novamente impulsionada pelo piano e com espaço para os arranjos grandiloquentes e belos.
Tranquility também usa cordas e pianos para criar um sentimento de noite/madrugada/sol nascendo que faz bonito na parede da memória e encontra ressonância em vários momentos da boa canção Pop do século 20, noção que permanece no número seguinte, Golden Robes, rica, triste, elíptica e cheia de planos-sequência instrumentais. A melhor criação de White neste álbum chega em Vision, proto-canção de metais graves, pianos à espreita e melodia cheia de curvas e sensação de abraço apertado e verão no olhar da menina à beira da praia. O encerramento com Love Deep deixa o nível cair mas ainda mantém o ouvinte atento o suficiente para deixar um gosto de “quero mais” em seus ouvidos.
Matthew E. White tem dois méritos: o de driblar as hipérboles da crítica assanhadinha e assumir seu mergulho em estéticas e influências cuja reprodução exige bastante pesquisa, precisão e, ao mesmo tempo, emoção e arroubos do coração. Ele mostra que está no caminho certo e nos convida neste disco a conhecer o quintal musical de sua casa, numa tarde de sol. Vamos?