Resenhas

Flying Lotus – You’re Dead!

Quinto disco de Steven Ellison transita entre vida e morte em seu trabalho mais coeso e psicodélico

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Ano: 2014
Selo: Warp Records
# Faixas: 19
Estilos: Eletrônica, Jazz Fusion, Experimental
Duração: 38:15
Nota: 4.5
Produção: Flying Lotus

A cada novo lançamento, Steven Ellison torna-se ainda mais único – não existe ninguém na música atual fazendo algo semelhante ao que Flying Lotus realiza. Apesar de seu estilo já ser conhecido atráves de quatro excelentes discos, não conseguimos ver produtores alcançando o seu grau de experimentação, produção ou aparelhagem para realizar seus “feitos”. Sim, feitos, pois o que ouvimos desde 1983, disco de estreia de 2006, é um Jazz Eletrônico, desfigurado, psicodélico e extremamente autoral em obras que evoluem e lapidam ainda mais a sua música. You’re Dead! entra para o hall de discos inesquecíveis do produtor , emblemáticos, e é de longe o seu trabalho mais coeso e linear em uma tentativa de abordar a questão mais temida da vida de todos: a morte.

Se o seu processo criativo alternou entre diferentes residências ao longo de sua carreira, do pequeno apartamento do seu segundo disco, Los Angeles, ao isolamento humano no deserto em Cosmograma à sua casa com piscina usada na capa de Until The Quiet Comes, Ellison sempre tentou entrar de cabeça em suas obras. Agora já consolidado, Flying Lotus encontrou a calma espiritual em uma casa gigante nas colinas de Hollywood lidando de forma serena com o encontro certeiro que todos nós iremos nos deparar em algum momento. A segurança e o onirismo em You’re Dead! dão a coesão citada acima, um caminho que certamente é experimental, jazzístico e carregado de ilustres participações que, em 19 músicas e 38 minutos, nos fazem viajar e encontrar a paz no meio de batidas quebradas (Eyes Above) , levadas de voz lindas (The Protest) e puro virtuosismo musical de seus músicos de apoio (The Descent Into Madness).

Chega a ser difícil, mas simples de certa forma, caracterizá-lo como produtor de música Eletrônica dado o número de arranjos orquestrados por ele, não simplesmente recortados de outras obras, verdadeiros samples que foram gravados em outros ambientes mas que entram e são conduzidos através de seus softwares de produção. Tal riqueza de detalhes e experimentos é sempre acompanhada por uma linha de Jazz interessante, o Fusion, gênero eternizado no disco Bitches Brew de Miles Davis, que propunha a união entre o Rock e o Jazz – a mistura não poderia ser mais interessante e funkeada, uma união rítmica entre timbres antagônicos.

Este exemplo é sentido por grande parte das músicas e é quase perdido no meio de pequenos excertos – como Tesla, faixa que conta com ninguém menos do que Herbie Hancock, famoso tecladista que acompanharia o mesmo Davis antes de se aventurar e ter sucesso na sua carreira solo. Sua levada percussiva da bateria acompanhada pelo baixo de Thundercat, um dos mais renomados músicos do grave instrumento, é o sopro antes da morte e tem uma tensão intrínseca capaz de prender o ouvinte até que Cold Dead e Fkn Dead deem espaço para fusão magistral entre os estilos. Detalhe: Até este momento, não conseguimos perceber elementos eletrônicos usuais – o coração da música vem da capacidade de seus músicos e não da sua pontuação em softwares. Abrir o disco de tal forma não apresenta ineditismo na carreira de FlyLo, mas somente consolida sua forma de fazer música: é a segurança que a morte é a única coisa que poderia pará-lo, mas que Steven parece lidar de forma jocosa com o fato.

A partir destes curtos instantes iniciais, o resto é somente uma massagem em seu ego e chover no molhado: Never Catch Me, com Kendrick Lamar, é uma das melhores faixas de Hip Hop do ano, muito melhor que o primeiro single do rapper de Compton e um dos vídeos mais bonitos que eu já vi. A música é o carro chefe para que Lotus chegasse ainda mais perto das massas, dado que os incríveis encontros com Thom Yorke em seus discos anteriores residem em um público fiel, mas menos abrangente. Soma forças, cantando como Captain Murphy, com Snoop Dogg em Dead Man’s Tetris, uma das músicas mais difícies de serem trabalhadas segundo a suas próprias palavras, viagem “gamística” com elementos de Street Fighter e bits, muitos bits. Ambos roubam a cena pela sua objetividade e acabam e terminam de acordo com seu propósito, muito bem executado. No entanto, se tal momento surpreende, são nas subsequentes faixas instrumentais que nos é revelado uma das maiores facetas do músico – a sua capacidade de fazer o ouvinte viajar.

Turkey Dog Coma é classuda, um retorno aos tempos auréos do Bebob, enquanto Turtles lembra um sonho perdido de Until the Quiet Comes e Obligatory Cadence tem um drop de batida perfeito – ou, como diz seu nome, uma cadência obrigatória no disco. Sem nos esquecer do encontro com o divino – ou seria o seu exterminador? -, como em Coronus, The Terminator, faixa chave para que a Psicodelia não deixe de fugir do onirismo (algo que pode ser sentido em Siren Song, com Angel Deradoorian, música que era pra ter sido feita com Pharrell, mas segundo FlyLo “não se encaixava no perfil porque ele é, humm, feliz”). A fragilidade do músico é exposta em The Boy Who Died in Their Sleep, sob a persona de Captain Murphy com versos como “A percocet and valium / Anything to take the edge away / I know of a place inside my mind where I can fly! / Take another pill! take another pill!” e emociona ao fim com a Gospel Your Potential//Your Beyond, com sua ex-namorada Niki Randa.

Quando mal percebemos, o disco acabou e a sensação de leveza parece ser sustentada pela experiência ouvida – vivemos, morremos e renascemos de alguma maneira. São 38 minutos de puro experimentalismo e subjetividade, mas com a certeza de estarmos – mais uma vez – diante de um músico diferenciado e único na cena atual do Jazz, Música Eletrônica e Hip Hop. Todos estes elementos são abordados, misturados e auxiliados por músicos talentosos, ilustradores fenomenais (como o quadrinista de mangá Shintaro Kago, que fez a capa do álbum) ou as animações feitas em conjunto com Adult Swim. Se não bastasse tudo isso, sua recente apresentação em São Paulo com uma projeção 3D sem óculos, uma experiência artística única, o coloca como uma das maiores realidades da música atual e que chega ao seu formato mais acessível, narrativo e abrangente em You’re Dead!, pois, como bem sabemos, a morte está diante e presente na vida de todos nós.

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Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.