Resenhas

Manic Street Preachers – Futurology

Novo álbum do trio galês é um grande acerto

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Ano: 2014
Selo: Columbia/Sony
# Faixas: 13
Estilos: Britpop, Rock, Indie Rock
Duração: 47:12min
Nota: 4.0
Produção: Alex Silva

Antes de mais nada, jovem, você já deve saber que aqui está uma banda na qual você pode confiar. O trio galês Manic Street Preachers tem uma folha de inestimáveis serviços prestados ao Rock desde o início dos anos 1990. Nunca teve hits fora do Reino Unido, mas, dentro da Velha Ilha, o grupo é uma instituição nacional e imaculada. Seu ideário é o resultado de um combo poderoso, no qual estão contidos arroubos socialistas, instrumental pesado-mas-melodioso, vocais apaixonados, noção do que uma formação de Rock deve fazer, mesmo num mundo como o de hoje e, mais que tudo: talento para amarrar tudo isso em pequenas maravilhas chicletudas de pouco mais de quatro minutos.

Em menos de um ano, o trio está de volta, usando o álbum anterior como referência: Rewind The Film, uma obra mais acústica que o normal, cheia de pequenos enigmas. Mesmo harmoniosa e bem acima da média, dava pra perceber que a banda não estava adotando um novo clima para suas canções, que tudo aquilo, apesar de belo, indicava uma possível volta aos caminhos mais elétricos. Tal retorno às tradições também se reflete nas letras do vocalista e baixista James Dean Bradfield, cheias de referências a questões atuais do mundo, da vida em sociedade, dos rumos que as circunstâncias simplesmente adotam. É uma banda que ainda insiste em fazer canções com letras reflexivas. Além disso, há pequenos detalhes luxuosos, como a alusão ao Futurismo Russo, movimento poético do início do século 20, no papel de conceito central do disco. É a capacidade de imaginar o futuro no presente que moveria o mundo. A tal utopia, o contrário do que vivemos hoje, numa sociedade pautada pelos números e tilintar das máquinas registradoras.

A faixa título de Futurology, logo na abertura do disco traz o seguinte verso: “We’ll come back one day, we never really went away/ One day we will return, no matter how much it hurts – and it hurts”, indicando o ciclo das coisas, a persistência e o constante combate aos inimigos mais visíveis do mundo atual, a saber, ganância, pobreza, poluição e desigualdade. Pode parecer messiânico mas os “Manics” sabem como lidar com tais temas sem resvalar para a pregação. A ambiência é refinada, energética, intensa. O mesmo instrumental vigoroso emoldura Walk Me To The Bridge, a canção seguinte. é linear até surgir algo oitentista e poderoso conduzindo ao refrão. É um riff de teclado e guitarra, totalmente oriundo das criações das Mentes Simples daquela década. Entendedores entenderão. A herança europeia da música clássica faz uma visita inesperada à faixa seguinte, o single Let’s Go To War, com melodia que faz lembrar The Hall Of The Mountain King, de Edvard Grieg, sem que isso pareça algo sem sentido.

Detalhes tão importantes surgem aqui e ali. Há duas faixas instrumentais singelas, a primeira, Dreaming A City (Hugheskova), é homenagem ao fundador galês da cidade ucraniana de Donetsk, o comerciante John Hughes, a segunda, encerrando o álbum, é Mayakovsky, entregando o ouro do conceito do álbum ao fazer reverência (e referência) ao maior nome do Futurismo Russo. Até o fim do percurso, surgem pequenas maravilhas roqueiras como a dançante Sex, Power, Love & Money, com um toque de Eurodisco tocado por guitarras e instrumentos eletroacúsciso; a bela Between The Clock And The Bed, conduzida por bateria à la Phil Spector, participação do ex-vocalista do Scritti Politti, Green Gartside, e uma simpaticíssima progressão de teclados, a otimista Black Square e a sinuosa Miguided Missile, moderníssima dentro da tradição, ampliando a ideia de que esta não seria nada além da presença do passado no presente.

Futurology é um disco intrincado, que cresce a cada audição. Tem mensagem, conceito, ideias, convidados (além de Green Gartside, Nina Hoss, Georgia Ruth, Cian Ciaran e Cate Le Bon), início, meio e fim. É uma sutil e involuntária homenagem ao formato de álbum, com cada canção fazendo sentido após a outra. De tirar o chapeu e matar barata no cantinho da parede.

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BOM PARA QUEM OUVE: The Verve, Oasis, Kasabian
MARCADORES: Ouça

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.