Resenhas

Neil Young – A Letter Home

Novo disco do compositor está mais preocupado em vender o novo aplicativo do cantor

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Ano: 2014
Selo: Reprise/Third Man
# Faixas: 12
Estilos: Folk, Rock, Blues
Duração: 38:56
Nota: 2.5
Produção: Jack White

A fama e o mito em torno de Neil Young são alimentados por dois canais principais. Um deles é a genialidade, que surge da matriz Folk/Rock, erguida lá na segunda metade dos anos 1960, quando tudo estava acontecendo. Neil foi personagem atuante da entrada do Rock no imaginário da juventude mais politizada e deu seu quinhão para os dias do porvir, seja através de Buffalo Springfield, do supergrupo Crosby, Stills, Nash & Young ou, principalmente, a bordo de uma carreira solo cheia de altos altíssimos e uns poucos momentos abissais. Daí vem a outra via de inspiração para a trajetória do veterano canadense: a estranheza. Neil já lançou álbuns magníficos, mas também contribuiu para a galeria de “discos ruins de gente boa”, transitando por universos tão estranhos (aparentemente) como a música Eletrônica, o Rockabilly, a New Wave ou, sem muita distração estética, álbuns puramente fracos. Faz parte da iconoclastia do homem, que, com o passar do tempo, foi acometido de dois males: acomodou-se e ficou bastante rabugento.

A Letter Home é produto da configuração atual de Young, ainda que possa ser inserido facilmente entre seus álbuns mitológicos (como Trans ou ReAcTor, por exemplo), daqueles que gostamos por serem estranhos, pouco convencionais ou, sei lá, por algum motivo obscuros. O novíssimo álbum é parte da campanha de divulgação que Neil vem fazendo de seu novíssimo tocador de arquivos digitais, o Pono, cujo conceito procura aliar portabilidade com uma qualidade de som superior aos arquivos mp3. Para isso, o véio juntou-se a Jack White para conceber um “trabalho artístico”, segundo o próprio. Usando um aparelho chamado Voice-O-Graph, que mais parece uma cabine de gravação, Young resolveu registrar todo o conteúdo do álbum dessa forma. O Voice-O-Graph é uma dessas engenhocas que parque de diversão americano dos anos 50, na base do “grave você também o seu disco”. White e Young abrem mão de tecnologias atuais, artifícios de estúdio e mesmo de um conceito mais plural em nome de uma suposta pureza estética, ao reduzir o ato de gravar um álbum ao uso da engenhoca e nadamais. O repertório? Covers de artistas contemporâneos de Young, alguns anteriores a ele.

E o disco? É bom? Nem tanto. Seria interessante um álbum convencional de Young registrando covers, apesar dele ter ido mal recentemente neste terreno, com o fraco Americana (2011). Aqui o repertório é mais convencional e interessante. A faixa título, que abre o disco, é uma declaração de intenções, com Young apenas dizendo o que pretende pelos próximos quarenta minutos e te convida para acompanhá-lo. O som é intencionalmente precário, embolado, antigo, algo como uma fita demo dos anos 1950 achada num porão. A faixa seguinte, Changes, do muso inspirador de Young, Phil Ochs, tem melodia e letra lindas, mas não sai do atoleiro auricular que a técnica de gravação impõe. Tal efeito desagradável surge por todo o disco, prejudicando Girl From The North County (Bob Dylan), Needle Of Death (Bert Jansch), Early Morning Rain (Gordon Lightfoot) e até escolhas interessantes e pouco convencionais como My Hometown (Bruce Springsteen) e Crazy (Willie Nelson, famosa na voz de Julio Iglesias no início dos anos 1990, pelo menos aqui).

O maior pecado de A Letter Home vem na ironia de sucumbir ao mais moderno dos males em termos de comunicação: privilegiar o meio em detrimento da mensagem, dando mais visibilidade às poucas alternativas sonoras do Voice-O-Graph em detrimento da própria execução das músicas. Mesmo assim, com grandes restrições, o disco tem lugar garantido na parte esquisita e complicada da discografia de Neil Young. Mesmo acomodado e ranzinza nos últimos, digamos, dez, quinze anos, ele ainda tem crédito pelo que fez. Serve como curiosidade nesses tempos de perfeição sonora, mas, até a imperfeição que White e Young obtiveram, soa premeditada, artificial, fora de lugar.

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BOM PARA QUEM OUVE: Joni Mitchell, Bob Dylan, Jack White
ARTISTA: Neil Young
MARCADORES: Blues, Folk, Rock

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.