Resenhas

Gruff Rhys – American Interior

Álbum se destaca pela elobração clara de um conceito e a psicodelia dos anos 1970

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Ano: 2014
Selo: Caroline/Universal
# Faixas: 13
Estilos: Pop, Psicodelia, Art Rock
Duração: 46:17
Nota: 4.0
Produção: Gruff Rhys

Você não saber, mas o galês enlouquecido/boa praça Gruff Rhys é um dos maiores workaholics do Rock contemporâneo. Músico, produtor, cantor, cineasta, poeta, compositor, Gruff é tudo isso ao mesmo tempo e possui invejável inspiração. Após 10 discos à frente de sua banda original Super Furry Animals, lançados entre 1996 e 2009, três álbuns solo, dois lançamentos com seu projeto paralelo Neon Neon, além de colaborações mil (entre elas com o indescritível Tony da Gatorra, The Terror Of Cosmic Loneliness, de 2010), Gruff está de volta com um mais um conceitual e instigante álbum solo. O tema central é uma viagem total: segundo uma lenda galesa, um sujeito chamado John Morgan descobriu a América em 1170. Veio para o novíssimo continente e, junto com seus tripulantes, ficou por aqui, apaixonados pelas nativas. Com isso, teria surgido uma tribo mestiça, meio nativa, meio galesa, cuja existência é tão provável quanto a da mula sem cabeça e do caipora. O novíssimo álbum de Gruff tem essa lenda como mote.

Tal maluquice poderia dar origem a um disco completamente fora dos parâmetros mas Gruff consegue manter-se fiel ao que – quase sempre – fez em sua carreira: revisões pessoais e generosas do psicodelismo sessentista, sempre com acento Pop e noção melódica acima da média. Nunca a doideira pura e simples toma conta por completo das canções, que saem mestiças, mais ou menos intensas, mas amarradas pelo conceito do álbum. A faixa título dá o pontapé inicial, precidida pelo pequeno instrumental American Exterior, e vem com uma inequívoca levada de têmpera bowieana do início dos anos 1970, cheia de dinâmica pianística. 100 Unread Messages é a próxima no percurso e traz um improvável mix de Country galopante e percussivo com uma versão alienígena de Rockabilly, tudo normal dentro das possibilidades comportadas por um disco com o padrão Gruff Rhys de qualidade. The Whether (Or Not) é uma pequena pepita sessentista trazida por alguma máquina do tempo, provavelmente de uma fita de lados B desprezados pelo Small Faces.

The Last Conquistador é mais uma redenção “piano driven” cheia de cordas a David Bowie, dessa vez próximo ao período Young Americans/Thin White Duke, ou seja, na encarnação Glam’n’Soul do Camaleão. Lost Tribes é outra rendição ao cânon do velho David Jones, dessa vez mais próxima dos trabalhos oitentistas dele. O grande momento de todo o álbum vem com a próxima faixa, Liberty (Is Where We’ll Be), uma pequena gema híbrida de Pop perfeito dos anos 1970 com o máximo que um galês maluco pode chegar perto do Philly Soul, a vertente mais elegante e fluida dos ritmos negros já concebidos no planeta. Mais pianos belos, corais, cordas, levada aerodinâmica, uma verdadeira mini-obra-prima de beleza. Talvez pra contrabalançar, em seguida temos 08 – Allweddellau Allweddol, uma canção em galês, com vocais infantis, com ares de brincadeira de roda, invadida por sussurros e efeitos borbulhantes. Ficaria bem num episódio da série clássica de Star Trek.

Belezura de híbrido de Pop song com Techno torto dos anos 1990, The Swamp surge em meio a beats tortos e mais vocal grandiloquente e sussurrado, Bowie style. Alguma pitada inequívoca de canção Pop à la Burt Bacharach pontua o arranjo da surreal Iolo, com baterias em cascata e cordas contrabalançantes, em meio a um ininterrupto refrão em que o título da canção é repetido à moda do tradicional “ligueligueligueligueligue” daquele célebre canal de compras na Tv aberta. Mais solenidade oriunda da conexão dramática ziggystardústica de David Bowie surge nas notas gordas e grandiosas de piano em Walk Into The Wilderness, drama de rostos maquiados e borrados num fim de noite qualquer. Year Of The Dog poderia passar por sobra de estúdio de Hunky Dory, conduz o ouvinte em meio a pianos e efeitos em elipse até o gran finale de Tiger’s Tale, faixa instrumental enigmática, cadenciada e épica, conduzida por uma guitarra crocante e cremosa ao mesmo tempo, assessorada pelos onipresentes pianos.

A audição de American Interior é uma bela viagem por campos coloridos e estranhos, mas nunca saturada de gracinhas ou bichinhos pulando em todas as direções. É mais sobre a psicodelia clássica sessentista, sobre os exageros setentistas, o uso de pianos e guitarras como fios condutores e, acima de tudo, resgata a criatividade e a noção de álbum conceitual dos pântanos da mesmice, cada vez mais comuns hoje em dia.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.