Resenhas

The Afghan Whigs – Do To The Beast

Disco mostra um ótimo exemplo de renovação no Rock

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Ano: 2014
Selo: Sub Pop
# Faixas: 10
Estilos: Alternative, Rock, Indie
Duração: 40:49
Nota: 4.0
Produção: Greg Dulli

Após um intervalo de 14 anos, o mundo volta a receber um disco de inéditas de Afghan Whigs. Neste espaço de tempo, seu vocalista e fundador, Greg Dulli, esteve presente em projetos paralelos bem interessantes, a saber, Twilight Singers e Gutter Twins, ambos com o chapa Josh Homme, mente pensante de Kyuss (no passado) e Queens Of The Stone Age (no presente). Os dois (mais Mark Lanegan) fazem esse tipo de americano esquisito, lúgubre, misterioso e machão, ainda que prefira permanecer nas sombras do sucesso, real e metaforicamente. Suas bandas fazem versões pesadas, barulhentas e neuróticas de Rock e variantes, sempre com atenção para uma imagem de habilidade temperada por signos obscuros, algo que é legal mas não tanto quanto crítica e fãs parecem exaltar sempre. De qualquer forma, Afghan Whigs sempre foi uma boa banda, melhor que a própria QOTSA, justamente por ter a malandragem de adicionar Soul Music (ou uma versão dentro dessa onda obscura + habilidade + esquisitice) em sua receita musical.

Dulli comandou a banda entre 1988 e 1998, encerrando as atividades após o quinto álbum, 1965. De lá pra cá, levou seus dois projetos paralelos adiante e decidiu retornar com a banda após participar de um show com o cantor Usher, no Festival SXSW de 2012. O resultado desse fôlego renovado vem em Do To The Beast. Dos integrantes originais, apenas Dulli e o baixista John Curley estão de volta, com um grande número de convidados fazendo participações especiais por todo o disco. A impressão que se tem ao ouvir as dez canções é de que houve uma natural evolução na musicalidade de Greg Dulli, mantida em ação por conta da dobradinha Twilight/Gutter, devidamente presente para este sexto trabalho de sua principal banda.

O início de Parked Outside é puro Afghan Whigs encontra Queens Of The Stone Age, com os vocais de Dulli surgindo com registro um pouco abaixo do que poderia render nos tempos idos, mas ainda bastante adequado. As alternâncias de riff de guitarra/bateria suja, dão a tonalidade Rock acima de qualquer suspeita, com guitarras poderosas e incisivas vindo de todas as partes. Matamoros, a canção seguinte, é totalmente inserida no imaginário Soul do AW, ou seja, algo que poderia ser deles ou, quem sabe, de Prince, caso o anão púrpura de Minneapolis fosse completamente maluco. Novamente o contraste entre o balanço em falsete da canção/guitarrama louca do refrão e pós-refrão, vinda de todas as partes, causa boa impressão logo de cara.

Um belo fraseado de piano introduz It Kills, a terceira canção, com clima que oscila entre a melancolia e a neurose, a partir da semi-explosão dos vocais de Dulli e uma certa aura psicodélica vir se somar ao cinza insinuado no começo. O primeiro single, Algiers, vem com introdução de bateria clássica desde 1960, além de violões e vocais de Dulli que sugerem uma paisagem deserta sob o sol, como se fosse um percurso final do carro de Thelma e Louise. Mais tons cinzentos e escuros tomam lugar na maníaca Lost In The Woods, bem assustadora e nada indicada para ser ouvida quando você estiver sozinha/o em casa. The Lottery tem algo de anos 1990 em seu arranjos, algo indizível, um clima, um espírito, uma impressão, que é preenchida por guitarras que vão desaguar num andamento exuberante e elegante. Can Rova já vem noutra onda, no terreno das baladas/lamentos/lamúrias típicas de Dulli, em meio a paisagens sonoras desérticas e tristes. Royal Cream já vem com início sussurrado, insinuado, desolado, que explode em levada clássica e atormentada, numa profusão de guitarras, efeitos, baixo e bateria. I Am Fire já explode logo de cara e amansa em meio a uma levada de percussão eletrônica, palmas, cordas e guitarras subterrâneas, cama na qual a voz de Dulli vai se deitar e lamuriar, à esperada de outra explosão que nunca chega.

O fecho com These Sticks traz mais passeios pelo “Lado Negro da Força”, num painel de guitarras, baterias, cordas e a voz de Dulli, figurando ora como condutora, ora como participante do painel sonoro que se ergue, que explodirá do meio pro fim, em barulho e harmonia, se é que isso é possível.

Numa época em que o Rock parece banalizado e pouco capaz de renovação/novidades, um ser redivivo como o Afghan Whigs, mesmo empalidecido após tanto tempo em suspenso, traz inquietação e curiosidade em dez canções enxutas e cheias de criatividade. Well done, Mr. Dulli.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.