Beck – Sea Change

Conheça o disco que marcou a carreira do cantor ao abordar o término de um relacionamento de forma crível e melancólica.

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“Put your hands on the wheel and let the golden age begin” é a primeira frase que ecoa no disco Sea Change de Beck. Lançado há dez anos, foi um marco na carreira do cantor e compositor ao se distanciar de seus trabalhos anteriores e de como o grande público o conhecia.

Normalmente habituado a compor letras carregadas de ironia, dessa vez Beck expunha o seu lirismo através de composiçoes melancólicas e sinceras, aliadas a uma voz mais profunda e diferente. Não só o conteúdo do álbum que era diferente, mas também as músicas, agora acústicas, cadenciadas e orquestradas, as quais substituiam o usal experimentalismo de sua carreira. Seus arranjos e acordes traziam uma sobriedade jamais vista, com uma clara inspiração na obra do cantor britânico Nick Drake. Tudo isso tinha um motivo, o que deixa a sua obra ainda mais única e importante, transformando em um dos grandes discos deste século 21.

Ao escutá-lo pela primeira vez, é difícil não ter um certo nó na garganta em alguns momentos e em outros um suspiro de esperança, todos devidos ao sentimento expresso na obra com suas letras que abordam a desilusão amorosa, solidão e desolação. Talvez pelo momento que eu vivia quando o escutei há algum tempo atrás, o disco fazia um tremendo sentido, era crível.

Foi somente após diversas rotações no meu CD player que eu viria a descobri o motivo de tanta sinceridade e reciprocidade na melancolia ecoada. No período anterior à gravação do disco, Beck tinha terminado um relacionamento de nove anos com sua noiva, Leigh Limon, quando descobriu que ela o estava traindo com um membro do grupo Whiskey Biscuit. Esse era o motivo de tanta tristeza e que havia levado o cantor a entrar num período de instrospecção e composições acústicas que geraram Sea Change.

O nome no disco, “mudança de mares” em uma tradução livre, indicava o estado do cantor que procurava expressar o que sentia e simultaneamente um novo tempo para ele, agora solteiro e desiludido. Esta Golden Age que se iniciava é analogamente a primeira canção da obra. Composta em um violão lento, traz Beck dirigindo a noite pois se sente melhor assim em um período em que “o sol não brilha nem quando é dia”. Paper Tiger com violinos desconexos, e um vocal que quase sussurra mostrava um Beck diferente, com outro tom de voz. Algo havia mexido com o espírito do cantor.

Guess I Am Doing Fine é provavelmente a canção que define a obra. Melancolia pura com seu violão dedilhado com guitarras vibrando ao fundo, tem Beck dizendo “It’s only lies that i’m living/It’s only tears that i’m crying/It’s only you that i’m losing/Guess i’m doing fine”. Está sofrendo mas apesar de tudo, está bem. Lonesome Tears é o basta do cantor, que não aguenta mais chorar essas lágrimas que não servem pra nada e só o destroem. Com uma orquestra acompanhando o violão, tem um final épico e funciona como um clímax para o primeiro terço do disco.

Lost Cause, um dos singles do disco, é igualmente triste, mas com Beck tentando superar tudo, pois já está cansado de lutar e brigar por uma causa perdida – o amor, nesse caso. End Of The Day é musicalmente espelhada em Golden Age, mas enquanto a segunda traz uma atmosfera esperançosa, a outra volta a trazer o cantor pra baixo: “It’s nothing that I haven’t seen before/But it still kills me like it did before”. O disco explora diversas fases do término de um relacionamento : a negação, melancolia, esperança, tristeza. São os altos e baixos do “período de recuperação”, sempre inconstante.

It’s All In Your Mind é a reação que Beck provavelmente teve quando descobriu a traição de sua noiva. O que choca é que uma frase como “Well I cannot believe, you got a devil up your sleeve” soa tão raivosa em palavras, mas tão melancolica em sua voz. Ele está, na verdade, surpreso e desapontado com a pessoa que ele amava. Round The Bend é a canção mais pesada do disco, extremamente soturna e puxa o ouvinte pra baixo, como se a tristeza fosse transmitida por ondas sonoras.

Already Dead – sem orquestrações, só violão e uma leve bateria para condução – traz Beck dizendo que está tudo acabado e morto. Sunday Sun é lisérgica como aquele porre pós-término, em que tudo parece bem e esperançoso. O grande problema vem quando os efeitos começam a deixar de ter entorpecer e te levam de novo à realidade. O fim da música é uma tentativa de não acordar dessa sensação de despreocupação.

Little One e Side Of The Road encerram o disco deixando o ouvinte com um nó na garganta, mesmo se este não está passando por uma situação dificil e está de bem com a vida. A obra, quando acaba, remete àqueles bons filmes de drama, com uma história crível e de fácil indentificação e que te fazem chorar em um dia ensolarado.

O primeiro trabalho puramente Folk de Beck trazia também letras que davam sustentação às suas composições, criando uma atmosfera melancólica que prende o ouvinte, independente de seu estado de espírito. Quando lançado dez anos atrás, encontrava um mundo triste e abatido com o terrorismo que permeava o início do novo século. Entretanto, não se resume às obras da época que abordavam os eventos precedentes com violência e protesto. Beck traz, na verdade, uma questão mundana e universal – o término de um relacionamento – e procura externar a sua tristeza através da música, para talvez melhorar. Mesmo após uma década de maturação, Sea Change ainda soa atual e sincero como qualquer grande obra deve ser.

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ARTISTA: Beck

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.